O ouro negro

Tenho um amigo que volta e meia publica nas redes sociais que o estado de quase-guerra na Venezuela se deve ao fato de que o Ocidente quer se assenhorar, de uma forma ou de outra, das reservas de petróleo do país. Afinal, como se sabe, nossos vizinho...
O ouro negro

Tenho um amigo que volta e meia publica nas redes sociais que o estado de quase-guerra na Venezuela se deve ao fato de que o Ocidente quer se assenhorar, de uma forma ou de outra, das reservas de petróleo do país. Afinal, como se sabe, nossos vizinhos têm aquele que é considerado o melhor bruto do mundo –  uma espécie de Romanée Conti dos hidrocarbonetos –, e que, além da qualidade, aflora de águas rasas. Assim, em contraste com o esforço que faz o Brasil para sugá-lo das escuridões abissais, já nas fronteiras do bloco de sal, no Caribe os venezuelanos extraem-no com água pela cintura. Ora, sendo os Estados Unidos o principal mercado, estrategicamente situado um pouco mais ao norte, uma intervenção é tudo com que sonham os ianques. Daí a sanha de destronar Maduro. "Cadê que eles se preocupam com a fome na Síria? Sabe qual é o próximo passo do Império? Dominar a Amazônia", diz ele, não sem alguma razão.

Nessas horas, e diante desses argumentos bem intencionados, dá vontade de ignorarmos o longo cartel de desmandos  perpetrados por Maduro e respondermos simplesmente que sim, que é verdade. O interesse dito humanitário não seria tão agudo se a Venezuela tivesse a (des)importância solar de um país como Burkina Faso, por exemplo. Se o argumento parece cínico, e em parte o é, é lícito perguntar se é justo. Ora, de certa forma, sim. Assim como seria inconcebível assistir de camarote a descalabros do Brasil na Amazônia – que embora nossa, é antes de tudo do planeta –, o petróleo venezuelano integra uma agenda de equilíbrio global. A partir do momento em que um (des)governo faz dele arma de aliciamento de gangues e de seviciamento de seu próprio povo, entra em vigor um padrão de governança global que emula o internacionalismo de outros tempos. Não o retórico e idealizado. Mas o pragmático e, a seu modo, impessoal. Ele dirá: o pragmatismo do mercado. Pois bem, que seja. 

O que a todos parece líquido e certo é que existe sim a chamada maldição do petróleo. E é bem possível que a Venezuela esteja a pagar a mais salgada das faturas por conta dela. Em que consiste o "oil curse"? Ora, os países se tornam muito ricos, as moedas se sobrevalorizam e as importações ficam muito baratas. Compra-se tudo de fora e não há estímulo interno para a produção dos bens mais básicos. Um dia os preços do petróleo despencam e o mundo vem abaixo. De mais, governos corruptos, com acesso direto às fontes de receita de petróleo – Brasil, Angola, Nigéria, México e Venezuela são só alguns dos clássicos – deitam e rolam com um bem que deveria servir para a construção do amanhã, como fazem os noruegueses e seu intocado fundo soberano. Assim, antes que se ateie fogo às refinarias – ou um dia, às nossas florestas – é inevitável que um governo mundializado arregace as mangas e intervenha. Ao arrepio do velho conceito de soberania nacional que parece ter ficado pequeno e só servir a oportunistas.  

Passaria a valer no caso, a soberania planetária, a despeito da vontade de chineses, americanos ou russos. Nem que para tanto as pessoas ganhem as ruas  e ocupem as redes da internet para fazer valer o direito sagrado à vida. 

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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