Ghosn: notícias de um sequestro
Quando o jato Gulfstream-650 despontou nos céus de Tóquio e baixou o trem de pouso para aterrissar na cabeceira do aeroporto de Haneda, um pequeno exército de homens de terno e gravata se preparava para entrar no aparelho tão logo a porta fosse aberta. Quem visse a cena, certamente pensaria que seria mais um pequeno séquito de assessores do fabricante de automóveis Nissan, que se preparava para fazer os rapapés de praxe a Carlos Ghosn, também dito "o samurai", o homem que tirou a empresa das calendas no começo do milênio. Mas bastou que transcorresse um minuto para que a tripulação acionasse o fechamento automático das cortinas internas do avião. Algo de anormal transcorria lá dentro onde foi dada voz de prisão ao CEO.
O que as imagens revelam dois dias depois do ocorrido é que a brigada que madrugara para receber o presidente da Renault-Nissan-Mitsubishi – o maior conglomerado automotivo do mundo, que vendeu quase 11 milhões de veículos no último ano –, tinha interesses muito mais soturnos do que desejar-lhe um protocolar "irasshaimassê". Pois sob a alegação de sonegação fiscal e de uso indevido de dinheiro da empresa, ambas fraquíssimas, dali mesmo levaram-no para o sinistro complexo penitenciário de Kosuge, onde poderá ficar até três semanas incomunicável, segundo as normas processuais nipônicas, feitas sob medida para acuar os expoentes da Yakuza, como é conhecida a máfia local. Até agora, desconhecem-se detalhes do interrogatório.
O que se sabe, contudo, é que o mais aclamado executivo do hemisfério, o mago que conseguiu operar até a noite do domingo a mais bem sucedida alquimia empresarial entre Ocidente e Oriente, o homem que salvou o fabricante japonês do naufrágio e deu concretude a um dificílimo amálgama entre a cultura corporativa europeia e a japonesa, pois bem, que este quadro brilhante, vegeta há dois dias numa solitária onde está impedido de falar com advogados, e só pode receber a visita da esposa. Mesmo assim por 15 minutos ao dia, sob o olhar vigilante de um agente penitenciário. O detalhe mais estarrecedor é que ambos só podem conversar em japonês, língua em que ela é nada versada. Mas esse não é o único detalhe sórdido de um enredo que beira o surreal.
Ora, na mesma noite, numa sala branca dos escritórios de Yokohama, onde Ghosn cumpriria uma longa agenda se não tivesse sido atalhado no aeroporto, o diretor-geral da Nissan, Hiroto Saikawa, compareceu desacompanhado a uma coletiva, depois de publicada a prisão na edição vespertina no Asahi Shimbum. E descreveu em termos dramáticos seu estado de espírito com o ocorrido: "Sinto uma profunda decepção, uma frustração, um desespero, uma indignação e raiva". Não contente com a verborragia desabrida vis-à-vis seu mentor e padrinho, atitude que não se coaduna com as práticas do Arquipélago, Saikawa antecipou a demissão sumária de Ghosn para a Assembleia da quinta-feira, 22 de novembro, dando elementos sobrantes para que se pense numa armação.
O que será que está por trás disso? Será que um problema com o fisco japonês nos exercícios de 2011-2015 justificaria uma prisão tão espetacular? Ou seria mais plausível acreditar que os japoneses buscaram maquiavelicamente formas de queimar a credibilidade do grande fiador de uma das maiores fusões operacionais da história para renegociar sua posição com relação à Renault? Que confiança podem ter executivos estrangeiros de que a tradicional e nunca negada xenofobia nipônica não infringirá um golpe similar em quem vem de longe para comandar o destino das empresas japonesas? O que deve estar pensando hoje Christophe Weber, o CEO da farmacêutica Takeda, sediada em Tóquio, diante do caso Ghosn? O Japão é confiável ou não é, como teimam em afirmar seus vizinhos?
E você, leitor, o que acha?
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