É primavera na Armênia

A visita à Armênia, que fiz há quase dois anos, reuniu todos os ingredientes possíveis para fazer dos dez dias de viagem alguns dos mais memoráveis da vida. Foram eles: a vontade de conhecer um país novo; a hospitalidade dos contatos locais a quem eu...
É primavera na Armênia

A visita à Armênia, que fiz há quase dois anos, reuniu todos os ingredientes possíveis para fazer dos dez dias de viagem alguns dos mais memoráveis da vida. Foram eles: a vontade de conhecer um país novo; a hospitalidade dos contatos locais a quem eu tinha sido recomendado por um diplomata armênio, que é grande amigo; a beleza das cores do centro de Erevan (foto); a deliciosa culinária que é servida nas inúmeras tavernas; a majestade do monte Ararat que, a despeito de estar em território turco, assoma no horizonte da capital; as visitas a um sem-número de sítios arqueológicos e ruínas ligadas à vida dos primeiros cristãos; a espontaneidade das pessoas e seu caráter multicultural; e uma ou outra coincidência fortuita de caráter transcendental, como foi o caso da visita do papa Francisco ao país naqueles dias, o que propiciou momentos de elevação espiritual, mesmo no coração de agnósticos inveterados como o meu. 

Tudo começou assim: depois de passar alguns dias em Tbilissi, na Georgia, rumei numa lotação para a Armênia. Por muito que esperasse da viagem, depois dos textos inspirados de Vasily Grossman no livro An Armenian Sketchbook – que eu tanto queria ter traduzido para o português, se tivesse tido tempo –, o trajeto se revelou superior às minhas expectativas. Menos densos do que os georgianos, e talvez um pouco mais mundanos, mal cheguei ao lago Sevan e já senti que ali respiraria novos ares. Velhos pontos de ônibus da era soviética juncavam uma estrada estreita onde, a cada quilômetro, um vendedor de abricós dava plantão ao lado de cestas imensas, quando não do bagageiro de uma camionete. Os damascos locais, da variedade prunus armeniaca, são amarelinhos, doces e sumarentos, e abundam por todo o país. Com o Ararat à direita, cheguei à capital tomado da mesma emoção com que os judeus chegavam a Jerusalém. 

O que estava por trás de tanta animação? Não sei. Aliás, amor bom é aquele que não se explica. Por outro lado, o passado de sofrimentos, a narrativa pungente do Genocídio sobre o qual vi e ouvi o Papa se posicionar a favor da Armênia e contra a Turquia, em nome do Vaticano, nos dias que se seguiriam, tudo isso era forte elemento para que tivesse simpatia pela pequena república do Cáucaso, espremida entre a Georgia, o Irã, a Turquia e o Azerbaijão. A população local caberia perfeitamente numa cidade do tamanho do Recife ou de Belo Horizonte e é dispensável dizer que as fronteiras estão longe de pacíficas, especialmente com os dois últimos. Não obstante essa encruzilhada geopolítica, Erevan regurgitava de vida. Não era à toa que a Armênia era conhecida como o "Israel do Cáucaso", expressão que traduz uma gente operosa e de bem com a vida, a despeito das tensões militares que a sacodem de vez em quando.

Estabelecida essa forte conexão emocional, é normal que esteja acompanhando com entusiasmo a alegria de meus amigos locais com os rumos que toma o país no momento que escrevo essas linhas. Desde a semana passada, a Praça da República – a mesma onde vi o Papa – exsuda de vida e fervor democrático. Lá como em dezenas de países no mundo, a velha ordem cai de tão anquilosada e viciada, e sopram os ventos da mudança, do combate à corrupção e da renovação da representatividade. Um dos poucos países-satélites da velha URSS que se mantiveram fiéis à Rússia – seu garantidor perante vizinhos poderosos e fiador da pátria armênia –, nada lá é simples e de solução fácil. Mas uma coisa é certa: a força propulsora de uma Diáspora afluente e preparada, com mais do que o dobro do que a população lá residente, também pede mudança. E dela podem depender os rumos que o país asiático conhecerá mais adiante. 

Assim sendo, nesses dias em que o Primeiro-Ministro Serge Sarkissian renunciou, ao cabo de onze dias de protesto, acompanho com alegria as postagens de meus amigos Ashot Parsyan e Anahit Markodian, esta fundadora da aclamada empresa de cosméticos Nairian. Escrevendo, alternadamente, em armênio, russo e inglês, vejo pelas suas linhas que o júbilo nacional eclode em cada linha. Como, por exemplo, neste post, que me permito transcrever no inglês original em que foi redigido. Yes, dear tourists, Armenia is one of the very few places in the world, where in the meeting of 160,000 people you not only don't have to worry about your wallet or phone could be stolen, but if you actually have a misfortune to lose it, there is a chance you'll get it back. Come to Armenia and enjoy its amazing people! Quando o orgulho das pequenas coisas assoma com tamanha força, é sinal de que esta primavera não será como as outras. 

Força, Armênia.  Saudades de suas noites frescas, das fontes iluminadas, dos damascos maduros, da sombra do Ararat e de sua gente tão especial. Até breve.  

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Domingo, 15 Dezembro 2024

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