China x Estados Unidos: antes um mau acordo...
A cidade de São Francisco, na Califórnia, sedia essa semana reunião de 21 países da Ásia-Pacífico, integrantes da APEC, criada em 1993 por proposta dos Estados Unidos – que agora comanda o evento do qual participam sete dos dez principais parceiros comerciais do país. "Sediar a APEC este ano proporciona aos Estados Unidos a oportunidade de moldar políticas comerciais e impulsionar o crescimento econômico numa região vibrante da Ásia-Pacífico, que representa quase 40% da população mundial, quase metade do comércio global e mais de 60% da população mundial", disse o Embaixador Matt Murray, Alto Oficial dos Estados Unidos da APEC. Ainda que o conjunto do que será debatido e acordado entre os países participantes seja muito importante, a grande expectativa desse evento é o resultado da hipotética reunião entre os presidentes Xi Jinping e Joe Biden, prevista para ocorrer em paralelo à dos líderes econômicos da APEC (dias 16 e 17 de novembro), na qual deverá ser estabelecida "a agenda estratégica e os objetivos regionais para o próximo ano".
Grandes questões estarão na mesa, nessa reunião – se ocorrer – entre os presidentes das duas maiores economias mundiais. A começar pela Fase Um do acordo comercial assinado em 15 de janeiro de 2020, cujo discurso a respeito, do então presidente dos Estados Unidos, deixa evidente o desconforto chinês com ele: "Demos um passo importante – que nunca foi dado antes com a China – em direção a um futuro de comércio justo e recíproco, ao assinarmos a primeira fase do histórico acordo comercial entre os Estados Unidos e a China. Juntos, estamos a corrigir os erros do passado e a proporcionar um futuro de justiça econômica e segurança para os trabalhadores, agricultores e famílias americanos."A questão central entre os dois países é o livre comércio, dificultado pelo protecionismo e subsídios a produtores e exportadores dos governos norte-americano e chinês. Países altamente competitivos, todo centavo faz a diferença, e a agressividade comercial, o marketing, a logística e a produtividade chinesas já estão no mesmo patamar dos norte-americanos. Com a vantagem da China da sua imbatível estrutura de custos, resultante da lógica diferenciada da sua política econômica, com o protagonismo do Estado nos setores estratégicos e no planejamento do país.
Como pano de fundo, o aumento da utilização do Yuan nas transações comerciais e financeiras da China (no que será o fim do domínio do dólar como moeda mundial, 25 anos após a criação do Euro e 79 anos do acordo de Breton Woods); as eleições nos Estados Unidos em 2024; o déficit histórico na balança comercial entre China e Estados Unidos, de quase US$ 400 bilhões por ano; a exigência de aumentar as importações de produtos agropecuários norte-americanos; as restrições e sanções impostas à China, em tudo relacionado à tecnologia; a evolução do "made in China" para o "made by China"; e a "Iniciativa Cinturão e Rota", dez anos completados agora em 2023. Há quem defenda nos Estados Unidos o "desacoplamento" da China, ou seja, afastar-se ao máximo de tudo relacionado ao país, algo como "fingir que não existe" (ou... "postura de avestruz"). Como se fosse possível ignorar o maior mercado consumidor, a maior produção industrial, a maior economia pela paridade do poder de compra, o maior exportador e segundo maior importador.
O ex-presidente Jimmy Carter explicou, em entrevista para a revista Newsweek em abril de 2019, o extraordinário desenvolvimento da China, após os acordos assinados por ele e Deng Xiaoping no início de 1979: a China apostou na paz e investiu em infraestrutura, e os Estados Unidos desperdiçaram trilhões de dólares com guerras. Por isso, deve ser muito difícil para o governo Biden mediar interesses e diferenças de concepção ideológica dos grandes grupos empresariais e formadores de opinião política norte-americanos, que estão em desvantagem no mundo inteiro na dura concorrência com as empresas chinesas – nos últimos 20 anos, a China tornou-se o maior parceiro comercial e maior fornecedor de tudo de mais de 100 países. Há enorme pressão dos Estados Unidos e dos países europeus para redução das emissões de CO2 na China, algo que vai demorar, já que ela depende do carvão – quase 60% da matriz energética chinesa – e do petróleo para mover a sua economia. E a China consome muito petróleo: em 2022, importou 50% a mais que os Estados Unidos e o dobro da Índia.
Tanto consumo tem a ver com o salto no poder aquisitivo da população chinesa nos últimos dez anos, com a renda per capita pela paridade do poder de compra (PPP) atingindo US$ 21.475,60 em 2022 (bem maior do que a do Brasil) e promessa de seguir crescendo. Tanto poder de compra disparou o alarme para quem quer vender mais para lá: na sexta edição da Feira de Importação da China, ocorrida em Shanghai, no início de novembro, a maior delegação (mais de 200 expositores) era formada por norte-americanos. Interessam muito às empresas dos Estados Unidos o mercado consumidor e os investimentos chineses, mas para isso acontecer é necessário primeiro diminuírem as restrições (em nome da "Segurança Nacional" dos Estados Unidos) às empresas da China. E agora será difícil reverter essa lógica, dada a polarização política e a proximidade das eleições presidenciais.
Felizmente, os dois presidentes devem seguir a máxima de que "é melhor um mau acordo do que uma boa briga". Até porque não interessa a nenhum dos dois países que o outro vá mal, tão grandes são as conexões entre eles – a exemplo da participação chinesa entre os credores dos EUA: US$ 1 trilhão (US$ 805,4 bilhões a China Continental e US$ 202,6 bilhões Hong Kong), em um total de US$ 7,7 trilhões. Esse US$ 1 trilhão é parte dos US$ 3 trilhões (já foram mais de US$ 4 trilhões) de reservas cambiais da China, a enorme "poupança em moeda estrangeira" do país, resultado em grande parte dos seguidos superávits do comércio com os Estados Unidos, que representam metade do superávit alcançado com os 20 maiores parceiros comerciais da China.
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