Mais do que um documentário

Fui ver Elis & Tom
Se você ainda não viu, vá ver Elis & Tom

Fui ver Elis & Tom. Gostei. Quem não gostaria? Dez coisas me chamaram a atenção para além do óbvio.

1. André Midani foi um grande cara. Em todos os depoimentos, percebe-se a visão arguta desse sírio de Damasco, que foi morar menino na França e que se apaixonou pelo mundo do disco. Homem de negócios, ele fala como um renascentista.

2. O entrevistado que fala com mais coração e profundidade é o engenheiro de som chileno Humberto Gatica que, pelas imagens, capta a magia do momento que estava vivendo. Para ele, foi só o começo. Um dia chegaria a Michael Jackson.

3. Embora seja um drama conhecido, o filme capta muito bem até pelo não verbal como Elis e Tom saem de uma situação crispada e tensa para o mais puro enlevo que embala os grandes encontros. Quase não rolou, por pouco não azedou.

4. O mundo nos idos dos anos 1970 era impensável nas coisas mínimas: estacionar na porta do aeroporto de Los Angeles, fumar no estúdio de gravação, provocar para melhorar sem deixar um rastro de rancores. Aprendia-se mais.

5. Há um reconhecimento unânime, inclusive do filho João Marcelo Bôscoli, que Elis cresceu artisticamente uma enormidade depois das semanas que passou com Tom. Foi como se ela galgasse um degrau que alguns julgavam impensável.

6. Há um momento nas parcerias em que o mais difícil fica fácil, quase divertido. A excelência é fruto dileto das tentativas, do erro e do acerto, do treino e, especialmente, do reconhecimento mútuo da grandeza do outro.

7. A posição mais difícil foi a de César Camargo Mariano, um grande músico, então marido de Elis. Como se comportar diante das esnobadas de Tom? E, depois, diante das quase cantadas que ele passou? César foi muito hábil e paciente.

8. O empresário de Elis diz que no rastro dos enormes danos de imagem que ela sofreu depois de cantar nas Olimpíadas do Exército, ela precisava recorrer ao capital de prestígio de Tom para superar um instante Regina Duarte. Quem a jogou na fria fora Marcos Lázaro.

9. Também é mágico o depoimento de Hélio Delmiro, guitarrista, quando ele fala dos códigos que interconectam os grandes músicos gerando o "grove" um sentimento de cumplicidade que possibilita, entre outros, o improviso.

10. Tom diz que escrevia as partituras mais com a borracha do que com o lápis. Era visceralmente minimalista. Amava Villa Lobos. Elis chegou a Los Angeles batizada em muito mais palcos internacionais do que eu pensava. Lindo é Menescal comparando-os a bromélias. Aí você chora.

De Elis, na contracapa do disco: "Nos meus dez anos de gravadora, ganhei de presente um encontro com Tom. Foram momentos vividos por duas pessoas muito tensas, que só conseguem se descontrair através da música. Ficou a saudade de um passado recente, em que as cores eram outras e as pessoas mais felizes." De Tom para César Camargo Mariano, quando ouviu a fita: "Vocês tomam banho de chuveiro, com água fria e corrente, eu tomo de banheira, com água morna, que vai se ajustando à temperatura do meu corpo. Fiquei um pouco assustado quando recebi tanta informação nova, trazida pelos jovens."

Em suma, se você ainda não viu, vá ver.

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Quinta, 21 Novembro 2024

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