Agora quem não quer sou eu
Sabe-se que, quando assinam contratos de patrocínio ou endosso com celebridades, as empresas incluem cláusulas que as permitem romper o acordo caso a personalidade em questão envolva-se em escândalos de ordem pessoal ou enfrente algum revés profissional sério. É a maneira que encontram para proteger sua imagem ao se associarem a este ente misterioso, instável e imprevisível chamado ser humano. Os casos dos esportistas Tiger Woods, do golfe (recorde aqui) e Ryan Lochte, da natação (veja aqui), estão aí para lembrar que quando se trata de lidar com gente, o melhor é manter um pé atrás.
Mas e quando quem pisa na bola é a empresa, e não o sujeito famoso? Há dispositivo em contrato que permita ao patrocinado romper com o patrocinador por este último envolver-se em um escândalo? Ou à celebridade endossante pedir para tirar do ar as peças publicitárias da marca endossada, no momento em que esta é flagrada transgredindo leis?
Indo além: cabe indenização por dano de imagem para as personalidades em casos como esses?
O leitor já deve ter desconfiado do quê e de quem estou falando. Quis o destino que dois dos mais respeitados profissionais da TV brasileira se vissem, agora, involuntariamente metidos em um constrangimento por conta das práticas para lá de heterodoxas da empresa que vinham endossando há alguns anos, a JBS, flagrada na operação Carne Fraca, da Polícia Federal (veja aqui). Tony Ramos (que falava em nome da Friboi) e Fátima Bernardes (da Seara) construíram reputações profissionais e pessoais irrepreensíveis. Justamente ao capitalizarem sobre elas, acabaram traídos por uma companhia aparentemente insuspeita – se não no aspecto político, ao menos no sanitário. Suas imagens ficaram tão atreladas às marcas que, tão logo a operação da PF foi noticiada, a imprensa ligou para o ator para ouvi-lo a respeito do assunto.
Não é um caso absolutamente inédito, claro. Ayrton Senna, tivesse sobrevivido à Ímola, teria visto o seu patrocinador de quase uma vida inteira, o Banco Nacional, ser liquidado em meados da década de 1990. E a apresentadora Lorena Calábria, que não é exatamente uma figura tão conhecida, lamentou-se por muito tempo ser lembrada pelos comerciais que gravou para o Banco Santos, que também foi a pique.
Alguém escreveu que Tony e Fátima deveriam pedir desculpas ao público por terem-no influenciado a comprar produtos fraudados (detalhes aqui). É compreensível tamanha revolta, mas mesmo as poderosas celebridades não têm como saber, a fundo, quão honestas ou confiáveis são as empresas. Para fechar contratos, não fazem muito diferente de qualquer consumidor: guiam-se pelo tamanho da empresa, pela sua imagem no mercado, pelos produtos que já conhecem e pelo espaço de que dispõem nas gôndolas. No máximo, podem consultar algum site governamental para saber se há algo tramitando que desabone a companhia na esfera pública, ou pedir a fontes do setor um parecer a respeito dela, com base nos comentários de bastidores. Nada além disso.
No mais, eles, bem como todos os consumidores que ajudaram a influenciar, contavam com o bom senso, a responsabilidade e a decência de executivos e servidores públicos envolvidos com um setor tão importante e delicado como o da alimentação – e jamais poderiam imaginar que, fora dos folhetins de TV, fossem testemunhar tamanha barbaridade.
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