Símbolos na mira
Num dos episódios da série The Crown (Netflix), a rainha Elizabeth depara-se com um dilema. A fim de reduzir custos e passar uma imagem mais austera da monarquia, ela é aconselhada a abrir mão de serviços que, aos olhos do público, soam insultuosos, tal o grau de superfluidade e obsolescência. Cuidar de gansos e falcões, limpar e polir faqueiros, esculpir arbustos no jardim – cada tarefa da ritualística vida real é submetida a escrutínio em entrevistas privadas da soberana com seus encarregados. Ao fim do pente-fino, Elizabeth opta por manter tudo como está e todos onde estão; o simbolismo das futilidades é a expressão maior de uma tradição nobiliárquica, afinal.
Empresas podem não contar com orçamentos tão folgados quanto a casa real britânica, mas têm, sim, seus símbolos e caprichos nem sempre justificáveis racionalmente. Saber identificá-los (e a conveniência de eliminá-los) é uma tarefa espinhosa para consultores em companhias em dificuldade ou executivos profissionais em estatais e organizações familiares. Está-se, quase sempre, pisando em terreno pantanoso, e qualquer passo em falso pode ferir suscetibilidades, criar um conflito desnecessário ou pôr à pique a boa-vontade com um projeto de recuperação.
O maior turnarounder do Brasil sabia bem disso. Claudio Galeazzi (1941-2023) acostumou-se a enfrentar obstáculos de todo tipo ao assumir o timão de corporações à deriva e desenvolveu uma sensibilidade para saber o quê e quando cortar. Alguns casos eram óbvios, de tão acintosos: na Cecrisa, fabricante de revestimentos assolada pela concorrência chinesa, gastavam-se "alguns milhares de dólares anuais" para alimentar uma criação de gansos (!) importados da Itália (!!) pelo dono. O consultor não teve dúvidas em interromper a mamata avícola (p. 63).
Já n' O Estado de S. Paulo, Galezzi surpreendeu-se com a quantidade de jornalistas incumbidos de escrever os famosos editoriais da terceira página: doze. Bora enxugar? Nada disso. "Os editoriais são a marca registrada" do Estadão e "mexer com isso seria atingir a própria essência da empresa" (p. 172). Os redatores foram mantidos — e continuaram produzindo até seis textos diários para que apenas três fossem aproveitados.
Roberto Castello Branco não teve a mesma paciência com as pompas da Petrobras, que presidiu de 2019 a 2021, e que incluíam "cerimonial com uma equipe de dez pessoas só para atendê-lo e seis carros blindados, com três turmas de seguranças e motoristas à disposição 24 horas por dia, sete dias por semana, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Brasília". Escorado na ideia de que "você deve começar pelas coisas pequenas", pois elas funcionam como recado para os funcionários, o economista eliminou o que pôde, a começar pela numerosa equipe de protocolo.
Enquanto isso, Jonas Marques, primeiro CEO profissional das farmácias Pague Menos, até ficou tentado a fechar as treze unidades da rede cearense no Rio Grande do Sul, dada a baixa densidade de lojas para enfrentar as onipresentes Panvel e São João. O fundador da companhia apelou-lhe que não. "O sonho dele era criar uma rede nacional e (...) eu não poderia desfazer isso", conformou-se o executivo.
Fica a lição: em sonho de dono e capricho de rainha, não se mete a mão.
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