Da assimetria negocial
Em quase 40 anos à mesa de negociação com as mais variadas culturas, seja na ponta comercial da exportação, seja à frente de operações de MBO, LBO e M&A, ou mesmo tecendo as costuras de joint-ventures por fronteiras nem sempre amistosas, percebi cedo que quem menos tem a apresentar, mais confunde a peleja e mais se emaranha no questionamento das regras do jogo fixadas, mesmo aquelas que são de aceitação universal pela maioria das pessoas de boa vontade. É a confirmação da tal máxima: de onde menos se espera, é de onde menos vem.
Assim sendo, na falta de evidências palpáveis a por à mesa, provas efetivas de que há "café no bule" de seu lado, seja ele vendedor ou comprador, resta-lhe pouco senão a catimba e o anti-jogo. É como se essa fosse uma forma tão legítima quanto qualquer outra de se manter vivo no certame. Assim fazendo, ao exigir o inverossímil e, em especial, o atemporal, ele torce para que a outra parte sucumba ao cansaço. Quando isso acontecer, caber-lhe-á recorrer às duas alternativas abaixo para salvar um papel.
No cenário da primeira, poderá chegar a seus clientes, quando existentes (não é exagero afirmar que podem ser fictícios), e dizer que eles estão a um passo de perder o melhor deal dentro do modelo aventado, se é que havia um acordado. Nessa hora, mostrará os melhores frutos do blefe e tentará surpreender o outro lado com a posse de uma legitimidade que este lhe havia negado. Isso porque sequer uma foto de celular lhe dera, que lhe conferisse o mínimo de autoridade. Muito menos um instrumento mandatário.
Na segunda hipótese, o desgaste o levará a inverter a mão do curso da ação e, de posse de um prospect atrativo, ele tentará seduzir parceiros avulsos que até então não constavam do radar de quaisquer stakeholders, sequer dele próprio. Dito de outra forma, ele blefará para se manter vivo no cenário e contará com o concurso da sorte. Quando esta o abandonar, o que é quase sempre inevitável, ele tentará se convencer de que, como desconfiara, os demais estavam movidos por má fé desde o começo. E a má profecia de alguma forma se cumprirá.
O que explica essa estranha dinâmica? Conforme veremos, a assimetria negocial, que é o sarampo das mesas de negociação.
É para evitar contraí-lo que o modelo anglo-saxônico desestimula cabalmente a entronização de business brokers que não estejam devidamente autorizados pelas partes a vocalizar um interesse de compra, venda ou associação. Por muito que a enunciação de cartas de intenção e memorandos de entendimento possam fazer as vezes em mesas de bar, nenhuma sala de reunião será franqueada ao intermediário, se ele não for parte mandatária de um instrumento inequívoco.
Por outro lado, como semelhante barreira, por motivos de exceção, pode obstaculizar a prospecção de oportunidades oficiosas concretas, que poderão sim se tornar oficiais, povos de natureza menos universalista e mais particularista deixam de lado os manuais e acolhem franco-atiradores para que estes ensaiem seus tiros em alvos reais. Assim sendo, culturas de relacionamento – latina, levantina, africana e de algumas partes da China – podem reconsiderar o dogma, ao arrepio de certos padrões de governança. E acolherão o outsider.
Nada haveria de errado nesta hipótese se não se registrasse a nefanda assimetria de origem. Pois neste caso, ao broker pouco restará senão tentar galgar os degraus da organização-alvo e, fiel à matriz cultural das origens acima, ele vai buscar sofregamente quem lhe parece ser o dirigente supremo. Ora, ser amigo do patrão, do tomador de decisão, do mais poderoso, do Onipotente (em certos países também tido por Misericordioso), poderá neutralizar todas as suas deficiências de credenciamento.
Em seus devaneios, agora transformado em personagem de Dostoiévski sem se dar conta, ele fabulará seu encontro com as instâncias máximas. Mercê de sua simpatia e brilho, e da afinidade daqueles que nasceram fadados à vitória, ele derrubará o valor dos ativos, fará jus a uma comissão duas vezes superior à do mercado, virará o homem de confiança do poderoso para novas aquisições e se fartará com ele às mesas do éden, cercados de odaliscas semoventes.
Quando acordar do sonho de uma noite de verão, dirá que os que lhe haviam franqueado portas estavam mesmo mal intencionados desde a hora zero e só queriam lhe conhecer as forças para sugá-las. E então, ao saber que o deal que lhe fora proposto, foi fechado por gente mais transparente e simples, ligará para um advogado amigo e vai querer saber onde errou. Na insuficiência de argumentos para pedir uma tranche dos ganhos, vai preparar um novo lance mais adiante.
Pergunto: você acha que ele terá aprendido a lição? A resposta é não. Isso porque o enraizamento cultural, o cacoete de dissimular o pistache molhado no centro da carga, é uma tentação inelutável. Em algum lugar do passado, não havia sucesso que não embutisse um artifício, uma esperteza, um ganho extra, um kickback, um bakshish, um pot de vin, seja em qual for a língua. Portanto, se você passou dos 50, preza os amigos e é feliz, não gaste tempo com negociações assimétricas.
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