Rocketman e a solidão

No domingo fui assistir a "Rocketman"(foto). Depois do sucesso do filme sobre Mercury, o excelente "Bohemian Rhapsody", soara a hora da tela para o não menos genial Elton John, nascido Reggie Dwight. Ora, já que a comparação entre os filmes é inevitá...
Rocketman e a solidão

No domingo fui assistir a "Rocketman"(foto). Depois do sucesso do filme sobre Mercury, o excelente "Bohemian Rhapsody", soara a hora da tela para o não menos genial Elton John, nascido Reggie Dwight. Ora, já que a comparação entre os filmes é inevitável, ainda que mais não seja pela concomitância das aparições, continuo achando que o menino de Zanzibar saiu ganhador do embate. "Blue Rhapsody" é mais empolgante na proposta, eletriza a audiência, e dá uma cobertura abrangente sobre a genealogia das canções. Já "Rocketman" é uma espécie de musical fílmico, e embora desencadeie ocasionalmente alguma emoção, fica-se com a impressão, no final, de que cortaram um pedaço da fita.  

Em ambos os casos, contudo, chamou a atenção o sucesso precoce dos artistas. Aos vinte e poucos anos, já eram fenômenos comparáveis ao quarteto de Liverpool e, no caso de Elton, não tardou a chegar o momento em que só ele respondia por 5% das vendas de discos de vinil em todo o mundo. Dá para conceber este feito? É impressionante. De mais, tiveram em comum a triste sina de cair nas mãos de empresários que os espremeram até o limite, valendo-se da vulnerabilidade emocional de ambos nos momentos mais sombrios da vida, para submeter-lhes a indizíveis extorsões. Os dois flertaram de perto com a morte e com a desdita, mas quem disse que ela não é indissociável da glória suprema? 

Bem a propósito, assisti ao filme justo no momento em que espoucava um triste evento na vida do jogador Neymar, desta feita ligado à contratação de uma garota de programa por rede social. Como é sabido, passado um melancólico flerte à base de emojis, lá se foi a mulher para Paris onde, de caso pensado, executou a coreografia sórdida de sua premeditação nefanda. Quem quer que a tenha orientado, por certo que leu com maestria a situação de isolamento do jogador, a ponto de farejar em piscinas de milhões, a solidão abissal que o engolfa. Quase descerebrado fora das quatro linhas, eis que o rapaz convida a moça para uma melancólica noite a dois sob o olhar impávido do Arco do Triunfo. O resto sabemos. 

Mas onde quero chegar? Ora, admitindo a dimensão genial de Elton John, de Fred Mercury e de Neymar Jr. – com todas as arbitrariedades e assimetrias inerentes a semelhante trio –, o que se vê é a mesma nuvem negra que, em momentos de suas vidas, lhes ameaçou o talento, a sanidade e até a integridade física. Se ainda é cedo para que se diga se Neymar tem ou não uma adicção pela prostituição institucionalizada (os cantores tinham), é patente que a solidão – tanto quanto a grande fortuna – fez deles um joguete útil aos olhos dos piores e mais ardilosos manipuladores. Para tanto, cada um viveu seu Zeitgeist ou o espírito de seu tempo. 

Ora, os músicos vieram à luz sob a égide da homossexualidade, o que só reforçava na época o isolamento de que já se ressentiam vis-à-vis suas famílias. Assim, viveram a pleno o inferno da promiscuidade de vidas soturnas em que casamentos com mulheres só trouxeram uma camada adicional às infelicidades vividas. No caso de Elton John, o flerte com o suicídio ficou patente. Com Neymar, os problemas só se assemelham no resultado. Aconchegado por uma família e a léguas de drogas, isso não o exime de estar cercado por asseclas imaturos. Ao servir de escada para oportunistas, ganha corpo o isolamento. Especialmente ao perceber que o mínimo de errado que faça o vulnerabiliza de maneira desproporcional.  

É fácil julgar, sei disso. É inconcebível aquilatar de fora o que é viver na própria pele o frisson das grandes glórias. Mas é difícil não deplorar que a genialidade se faça acompanhar quase sempre de uma dose incomensurável de infortúnio. Enquanto milhões de pessoas sonham em lhes reproduzir o sucesso eletrizante, há momentos em que eles devem invejar o mais comum dos mortais que veem transitar pelas ruas, por trás dos vidros blindados de seus carros siderais. Assim é a vida. Mercury foi abatido em pleno voo. Elton John teve a sorte de encontrar a tão sonhada paz e ser hoje um benfeitor da humanidade. Se não podemos esperar nada de muito transcendente de Neymar, que a sorte o ilumine. 

Veja mais notícias sobre Comportamento.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quinta, 21 Novembro 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://amanha.com.br/