Quem veste o feio...

...é porque fashion lhe parece
A moda pode ser feia, mas não é boba: quem paga as contas, no fundo, é que não liga para ela

Matéria recente do UOL fala de uma curiosa tendência da moda internacional: peças esquisitas, extravagantes, com aspecto sujo ou usado – feias, em resumo (aqui, para assinantes). E todas custando uma pequena fortuna, claro. A pergunta é: por quê? Bem, comecemos pelo mais óbvio: a moda vive de novidades periódicas. E, com o fast fashion, de novidades mais frequentes do que somente as duas coleções anuais de praxe. Da necessidade de inventar alguma coisa que chame a atenção e desperte a curiosidade é que nascem as cópias (de coleções passadas ou de estilos em voga em épocas icônicas, como anos 1960, 1970 e 1980) e as apelações atuais. Quanto mais novidades tiverem de ir a mercado, mais soluções fáceis serão buscadas. O feio é uma delas.

A moda também vive do contraste. Se as coleções mais recentes tiverem sido de peças ajustadas, a nova tem de ser de tamanhos desproporcionais; se priorizavam cores discretas, as da próxima estação precisam ser berrantes; se remetiam a um bom gosto atemporal, bem...as que vêm por aí precisam contrariá-lo com o mau gosto universal. Terceiro motivo: muitos criadores de moda têm pretensões artísticas. E faz parte da administração de seus egos autorizá-los a, de tempos em tempos, executar o que bem entendem, desde que sem prejuízo dos resultados econômicos. Colocar excentricidades à venda não deixa de ser um teste do prestígio e da influência do estilista e da grife. Mas não são apenas os imperativos industriais e criativos que alimentam a nova onda. 

Quando uma marca lança um produto de aparência duvidosa, faz uma afirmação sobre si: "somos tão f#@* que podemos fabricar algo tão feio". E essa afirmação se transfere para quem adquire: "sou tão f#@* que me permito usar uma coisa estapafúrdia". Um privilégio reservado apenas aos ocupantes do topo, bem traduzido num anúncio de anos atrás: "Por que a Rolex combina madrepérola com metais preciosos? Porque ela pode". É bem assim: quem pode, pode. Nada disso faria sentido se esses produtos não fossem caros. Como gerar desejo e afirmar a soberania do (mau) gosto sem estender a extravagância estética para as etiquetas de preço? Só assim o círculo se fecha de maneira coerente: o insólito consolida-se como desejável por ser quase inacessível. Não há com o que se preocupar, no entanto. A maior parte daquilo que vai para as lojas é de aparência tradicional, vez ou outra salpicada por uma novidade que a diferencie. Afinal, a moda pode ser feia, mas não é boba: quem paga as contas, no fundo, é que não liga para ela. 

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Sábado, 27 Abril 2024

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