Órfãos do amanhã

Refém do ontem, muita gente se sente antecipadamente órfã no amanhã. A virtual demolição de projetos caros nos remete a um estado de estresse comparável ao que nos acomete quando da perda de um ente querido. Pergunto: como poderia ser diferente? Igua...
Órfãos do amanhã

Refém do ontem, muita gente se sente antecipadamente órfã no amanhã. A virtual demolição de projetos caros nos remete a um estado de estresse comparável ao que nos acomete quando da perda de um ente querido. Pergunto: como poderia ser diferente? Igual ao que acontece no luto, os primeiros dias são de virtual prostração. Superada a negação, tem início um período conturbado em que perdemos o apetite, nos embriagamos com dois copos de cerveja e dormimos precariamente. No curto sono, os sonhos são todos contextualizados no âmbito daquele projeto. A sensação que nos abala é a de sobreviventes de uma plataforma de petróleo que é tragada lentamente pelas águas. Depois do que, tudo parece retomar uma inquietante normalidade. E a vida dos demais parece continuar a ser como era antes. Então nos damos conta de que assim continuará a ser quando morrermos. Isso é talvez o mais aterrador.

Outros sentimentos concorrem para o agravamento do quadro.  Como em todo caso de elaboração de luto, nos perguntamos: será que eu poderia ter feito alguma coisa para evitar a débâcle? Quase sempre a resposta é não. Mesmo porque seria atribuir-se importância demasiada achar que um projeto coletivo e multidisciplinar poderia ser sensível a nosso toque de competência. No mais, é inevitável que se inventariem os erros coletivos. Ao cabo de duas noites de sono regular, de repente pode ficar claro que as coisas não poderiam ter saído muito diferente do que foram. Episódios de manipulação meio soturnos sobre os quais éramos alertados sem cessar ganham então os contornos de rotunda obviedade que não queríamos ver – ou não podíamos enxergar em tempo devido. Livres das viseiras, nos vemos como sobreviventes de uma alucinação coletiva. Que, como é de regra nesses casos, nos mantinha cegos e algo eufóricos.

De todo o calvário, nada é mais reconfortante do que a fase de escrutínio dos chamados planos alternativos. Sem que nos demos conta, normalmente voltamos ao começo. É como bater à porta do velho terapeuta de outros tempos e ser recebido sem nenhuma surpresa. "Mas como pode me receber assim, com tanta naturalidade?" Ele nada dirá, apenas apontará a velha poltrona e insinuará que ninguém se perde no caminho da volta. Seja dele ou de amigos, ouviremos palavras de estímulo com respeito aos velhos planos que parecem agora retomar fôlego novo, temperados que estão por mais experiência. Nessas ocasiões, embora a veemência nunca seja boa conselheira, convém não nos deixarmos abater pelo excesso de realismo de nossos interlocutores. Se você sonhou, é bom que tenha sonhado demais, e grande o bastante. Afinal, de quantos devaneios se faz uma vida? Ora, de muitos, de preferência. Eles só somam, apesar de traiçoeiros. 

Portanto, digo: não abrace seu Plano A pensando no plano B. Se o fizer, você se arrisca a escorregar para o Plano C. Sonhe, mas se o sonho se esfacelar, procure logo outro para chamar de seu.  Isso, segundo Churchill, era a essência sucesso.  

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Quinta, 21 Novembro 2024

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