O que está faltando...

Desde que voltei ao Brasil semana passada, tenho visto muitos amigos. A atmosfera de fim de ano favorece esses encontros que, algumas vezes, pode ser o último de 2019. Tive o privilégio de conhecer pessoas de perfil muito diferente ao longo da vida. ...
O que está faltando...

Desde que voltei ao Brasil semana passada, tenho visto muitos amigos. A atmosfera de fim de ano favorece esses encontros que, algumas vezes, pode ser o último de 2019. Tive o privilégio de conhecer pessoas de perfil muito diferente ao longo da vida. Os indivíduos com quem convivo, ou que integram esse universo dos encontros de confraternização, não pertencem homogeneamente a um só bloco. Eu não suportaria. Entre elas há brancos, pretos e amarelos. Esquerdistas e direitistas. Enfim, homens e mulheres de todas as idades entre os 20 e os 90 anos, frequentemente originários de um país fora de nosso continente. Dessas noites de muita cerveja, algumas risadas e inevitáveis avaliações, assomam angústias variadas. E esperança. 

Vejam por exemplo meu amigo "Karl". Aos 60 anos, admite que está no auge do que considera sua terceira quebra financeira. Os cartões de crédito estão bloqueados, os negócios são de maturação lenta e só deve entrar dinheiro em fevereiro ou março, se tudo correr bem. Enquanto a boa hora não chega, vem pagando juros proibitivos, o que deteriora a moral. "O pior é que isso já aconteceu comigo há dez anos. E como o susto foi grande, eu prometi a mim mesmo que só consideraria dinheiro como meu quando ele estivesse em caixa. Incorri em mais um descuido há cinco anos, e me safei vendendo um imóvel a um preço meio sacrificado. Never again, repeti. Pois agora aconteceu de novo e gastei mais do que a liquidez permitia. É nisso que dá ser otimista. Nem me pergunte como será o Natal que não tenho ideia. Mas até minha velha mãe, sempre tão solidária, me fechou a porta."

"Miriam" está determinada a conhecer um novo amor. Depois de 15 anos de relacionamento com uma paixão de juventude, o ciclo se esgotou. "Não dava, tínhamos virado irmãos, já não havia energia, não passava corrente entre nós. Sabe o que é pior? Quando anunciei a separação, descobri dias depois que ele já estava se arranchando com outra. Vocês são todos iguais. Desde setembro que venho cuidando de mim. Estou pensando em fazer uma viagem com gente legal, passar o Ano Novo num lugar cheio de bom astral, com todo mundo de branco, se abraçando e se beijando à meia-noite, sabe como é? Admito que as ofertas estão em baixa. Tive dois blind dates para testar a química. Um foi na livraria Cultura do Iguatemi. Você acredita que o cara me alugou por uma hora toda para ouvir a história da separação dele e perguntar como podia conquistar a esposa de volta? Levantei e sumi."

"Leopoldo" me encheu de esperança com sua tenacidade. "Há três meses terminei as sessões de quimioterapia com uma remissão completa de meu linfoma de Hodgkin. Mas essa semana vou fazer os controles hematológicos e oncológicos para que não haja uma recidiva. O maior problema é meu sistema imunológico que está fraco, daí eu ter passado duas semanas de desintoxicação numa clínica de antroposofia baseada na doutrina de Rudolf Steiner. Tenho problemas neuromusculares com o ombro direito enfraquecido pelos tendões estirados, mas não vou operar. Fiz 20 sessões de acupuntura e 15 de fisioterapia específica. É claro que aos 70 anos, se não estou velho, estou antigo. Digamos vintage, se quisermos ser benevolentes. Mulher agora é mais pela cumplicidade e companhia do que pelos outros atributos, sabe como é? Por uma vez na vida, só estou com uma."

E você, o que está faltando na sua vida? Ou o que está sobrando? 

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Sábado, 14 Dezembro 2024

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