O confinamento da alma
De Paris (França)
O confinamento compulsório na França não foi sequer dos mais longos. Em Paris, que era zona crítica, durou dois meses. Depois disso, fomos liberados pouco a pouco. Junho e julho marcaram um relaxamento absurdo das cautelas, especialmente entre os mais jovens, e em agosto o vírus foi passear pelo interior. Tudo indica que haja rápido recrudescimento entre setembro e outubro, mas persiste uma sensação de que a virulência não será a mesma do começo da pandemia. Demais, os protocolos estão mais detalhados e específicos, o que diminuirá a letalidade.
O que fica dentro da alma é uma espécie de medo. Não sei se é porque integro frontalmente um grupo de risco, mas há pouquíssima ou nenhuma disposição de pegar um avião e sair por aí, como sempre foi de regra em minha vida. É uma guetificação interna, uma enclausuramento da alma, um conforto excessivo por estar entre quatro paredes. Nem as tentações paisagísticas de Paris nos convidam minimamente. Quando saio, é sem nenhum entusiasmo mesmo que a Covid-19 tenha ido parar nas páginas internas. Deve mesmo ter a ver com a volta ao útero ou às cavernas.
É claro que é um argumento que pesa quando penso em voltar para o Brasil. Além da viagem aérea, que sempre considerei curta para meus padrões de deslocamento, reina uma sensação à distância de que tudo ainda é muito confuso. Dois amigos não dirão a mesma coisa sobre o quadro da pandemia no país. E se consultamos seis amigos, é possível ouvir seis opiniões diferentes a respeito do quadro. O mais chocante é que entramos no mês de setembro. Nem aqui nem aí, sabemos se nos sentimos mais seguros entre estranhos ou entre familiares. A ambiguidade campeia. Menos mal que aqui o verão fica para trás.
Mas o que dizer se a volta do frio significar a reedição de abril? Na verdade, sequer os protocolos de deslocamento de país a país são confiáveis. Todo dia alguma coisa muda. Soube de brasileiros sendo barrados no embarque para a França com os testes em dia e de quem fez o mesmo trajeto sem encontrar obstáculos de quaisquer ordens. Vai da cara do passageiro e, mais do que nunca, da química que se estabelece com quem o atende. A subjetividade também campeia. A ciência marcha para o encaminhamento de uma solução. Mas os interesses em jogo são muitos.
Um dia saberemos que papel nos coube – a nós, cidadãos comuns – nessa colossal ópera-bufa.
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