Frivolidades célebres

Personagens insuspeitos e seu ladinho consumista
Frida Kahlo adorava as lojas de departamentos, as lojinhas de Chinatown e as lojas de bugigangas, com grande variedade de artigos baratíssimos

O Natal passou e, na ressaca de seus festejos, você se sentiu um pouquinho arrependido das compras e um tanto imaturo pela expectativa de ganhar presentes? Deixe disso. Até personalidades célebres tinham lá seus cacoetes consumistas. Célebres e insuspeitas, eu diria. Em 2023 cumpriram-se 50 anos do golpe de estado que depôs o socialista Salvador Allende no Chile. Eu disse "socialista"? Ora, Allende "gostava de boas roupas" a ponto de ser "um perigo entrar em seu escritório com uma gravata bonita. 'Essa é presidencial', dizia, e desprovia seu convidado de seu objeto sem constrangimentos" ("Las armas de ayer", Max Marambio, 2008, p.78). O presidente bebia e comia do melhor, fazia seus ternos no alfaiate mais caro de Santiago e, seguro de si, não se incomodava em ser chamado de "almofadinha", lembrou Luis Edgar de Andrade em sua coluna da revista Imprensa, em 2003.

Talvez só competisse em futilidade com aquele em quem se inspirou nas suas pretensões revolucionárias, Fidel Castro. Em viagem a Havana, Allende ostentou um novíssimo relógio com despertador. O líder cubano ficou fascinado com a traquitana e deu-lhe um Rolex de aço em troca. O resultado? "Fidel é uma criança. Passou a reunião do gabinete a brincar com o relógio. A todo instante a campainha tocava. Os ministros não puderam trabalhar", queixou-se Raúl Castro, irmão do Comandante, no dia seguinte. Se quisesse, Fidel poderia ter comprado vários gadgets do tipo numa cidade de sua predileção, Nova York. O cubano esteve na metrópole norte-americana pela primeira vez em 1948, e "se apaixonou" por ela "imediatamente. Fascinaram- lhe o metrô, os arranha-céus, o tamanho dos bifes e o fato de que (...) O Capital podia ser encontrado em qualquer livraria". Retornou algumas vezes à urbe, já como líder máximo da Ilha, quando teve a oportunidade de fartar-se com cachorro-quente e hambúrguer.

"Ok, mas comunistas e socialistas são todos assim, burgueses disfarçados". Então nos desloquemos para a arte, atividade praticada por aqueles imunes às picuinhas da vida ordinária. Pois Frida Kahlo, que décadas depois de morta viraria ícone feminista, "adorava as lojas de departamentos, as lojinhas de Chinatown e as lojas de bugigangas, com grande variedade de artigos baratíssimos. 'Frida entrava feito um furacão nas lojas de cinco e dez centavos'" ("Frida, a Biografia", Hayden Herrera, 2013). Dá até para imaginá-la numa festa de Natal: "quando ganhava presentes, ela os recebia como uma criança, rasgando impetuosamente o embrulho e exclamando de prazer ao descobrir o conteúdo".

Às vezes, até quem está dispensado – ou proibido – da obrigação de abastecer despensas e guarda-roupas é traído pelos desejos. A vida religiosa prevê renunciar às tentações do mundo material, mas diante de uma oportunidade, quem resistir há de? Quando entrou para o seminário, Carlos Heitor Cony (1926-2018) teve confiscados por um padre seu pote de brilhantina e o time de futebol de botão. Adivinhe onde o futuro escritor os enxergaria novamente? No quarto do sacerdote, já com o recipiente de gel pela metade e os escudinhos do Fluminense substituídos pelos do Botafogo.

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Quarta, 13 Novembro 2024

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