É só futebol
Uma antiga “sabedoria empresarial popular”, se me permitem o neologismo, diz que é inviável patrocinar apenas um dos grandes clubes de futebol do Rio Grande do Sul, Grêmio ou Internacional. O motivo seria a intensa rivalidade, capaz de levar torcedores de um dos lados a antipatizar, ou mesmo boicotar, os produtos do apoiador do time concorrente. Tal sabedoria já foi desafiada algumas poucas vezes, como quando a Aplub patrocinou exclusivamente o Internacional e as Tintas Renner e a Midea, o Grêmio, sem consequências negativas perceptíveis para as empresas, ao que se sabe. Mas ela persiste como uma espécie de tabu que companhia alguma ousa quebrar – vide as camisetas atuais das duas equipes, preenchidas por logomarcas idênticas.
Agora, em São Paulo, um fenômeno curioso ocorre. Os quatro grandes clubes do estado – São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Santos – historicamente diferiram em matéria de patrocinador. Mas o Palmeiras, hoje, é apoiado por uma faculdade paulistana que oferece atraentes descontos em suas mensalidades para aqueles alunos associados ao clube, o que faz balançar as convicções clubísticas de muitos estudantes.
Há quem, mesmo torcendo para um rival histórico, se associe ao alviverde para desfrutar dos benefícios que a instituição de ensino fornece, sem se importar em ajudar simultaneamente o patrocinador do adversário e o adversário em si – sem falar o próprio bolso, claro. Outros fincam pé e preferem não ceder à tentação de municiar o inimigo futebolístico com seu próprio – e às vezes parco – arsenal monetário, pois o sentimento de culpa não justificaria os 25% off, em média, da mensalidade (leia mais aqui).
Por trás dessa pequena controvérsia está nada mais do que a segmentação de uma base de clientes de acordo com o nível de envolvimento com o produto e a marca. Embora a mídia costume tratar o torcedor de futebol como um sujeito obrigatoriamente apaixonado pelo seu clube, nem de longe é assim. Torcedores dividem-se em diferentes níveis de envolvimento com o seu time, envolvimento este expresso através do consumo associado diretamente ao esporte (ingressos para jogos, pay-per-views, viagens, camisetas), à mídia (jornais, sites, mesas-redondas de rádio e TV, redes sociais) e à presença do tema no cotidiano pessoal, sob a forma de discussões com parentes, colegas etc. Dentro desses diferentes patamares, ser cliente do patrocinador de um rival – ou do rival propriamente, como no caso do Palmeiras – pode ser tanto visto como um sacrilégio, entre os mais fanáticos, quanto uma bobagenzinha menor, entre os “light users”.
No caso específico do Rio Grande do Sul, um traço cultural acentua o temor de empresários que vislumbrem a oportunidade de ver sua marca estampada em apenas uma das equipes. O gaúcho provavelmente não é tão diferente do brasileiro de outras regiões quanto gosta de propalar. Porém, a necessidade de afirmação de uma identidade única faz com que certos mitos sejam perenizados e tidos como verdades incontestes, quando não são – e uma delas é justamente a da polarização, simbolizada pela rivalidade entre colorados e gremistas. Parece fazer bem ao senso de identidade do gaúcho a ideia de que somos todos radicais, sem meios-termos nem tons de cinza. A vida, contudo, nos exige bem mais flexibilidade e tolerância do que gostamos de admitir, e nos negócios não é diferente. Por isso, se um empresário se dispusesse a fazer em algum dos times de Porto Alegre coisa semelhante ao que a tal faculdade faz no Palmeiras, não duvido que tivesse sucesso – até porque se a lógica da polarização e do fanatismo estiver certa, teria como clientes cativos metade da população do Estado, não?
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