Armadilhas do confinamento
É terrível. Logo cedo, pela manhã, você vai à janela e o que vê? O vizinho sendo carregado de maca, já morto. Ao meio-dia, à hora de comprar vinho, qual será sua preferência? Um Côtes du Rhône de 6 euros ou um Pouilly-fumé de 20? E que sentido faz escrever, cumprir com suas obrigações se, de um momento para outro, você começar a tossir, a sentir febre e, em rápida escalada, você estará hospitalizado, com poucas chances de sair vivo, a depender do caso?
Essas são as questões recorrentes do confinamento. Elas não nos dão trégua. Estarei nesse mundo daqui a uma semana? É óbvio que sempre vivemos na corda bamba, sem quaisquer garantias de que acordaremos amanhã. Não é de hoje que a finitude nos desafia e humilha. Mas agora ela se torna mais tangível e amedrontadora. Demais, o senso de família global que perpassa o coração dos homens de boa vontade, nos impele a ver as coisas de forma diferente. Senão, vejamos.
Sendo o coronavírus uma mazela que dizima indistintamente os seres humanos, como se fizesse parte de uma conspiração punitiva contra os desmandos de nossa espécie contra a vida e a o planeta, é normal que passemos a torcer uns pelos outros - independentemente da cor do passaporte de cada um. Do que me vale a Espanha ir bem e o Brasil ir mal? Acaso a morte de equatorianos me doerá menos do que a de japoneses? Ou perpetramos vitória total ou seremos todos derrotados.
Eis talvez o primeiro dividendo universal de tão triste episódio.
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