A roda da fortuna
Um dia o calo aperta porque um descuido aritmético o levou a atrasar o pagamento do condomínio. Mas então, na mesma toada, qual não foi sua surpresa ao constatar que a fatura do cartão de crédito terá de ser parcelada, o que prenuncia o começo de um tormento. Debeladas as resistências, o mais sensato é recorrer ao banco e pedir um empréstimo, até para não constranger os amigos. Mas ora, o limite com que você contava, para além do cheque especial, mal cobre as contas em aberto, mesmo porque a prestação do carro está por vencer. Eis configurado um pequeno inferno na vida, até aqui tão bem organizada. Nessa hora, você vai pensar no primo que sempre mostrou interesse num quadro de sua sala. Será que quer fazer uma oferta? Ao telefone, ele diz que não está podendo. Que você volte a ligar no próximo mês, quem sabe.
O cenário acima se repete milhões de vezes no Brasil e no mundo. E sempre que vem à baila em seminários de negociação intercultural, umas poucas verdades assomam, não raro oferecidas pela literatura. Ora é um cigano andaluz que, tendo recebido uma indenização, gastou cada peseta na mesma noite, em farras de tablado, música e vinho. Outra vez é um famoso apresentador de TV de Hong Kong que, não controlando a compulsão pelo jogo, suicidou-se no hotel em Macau, depois de deixar nas mesas do bacará o patrimônio de uma vida. Por outro lado, não há vilarejo na China onde não sobressaia um carroceiro poupador que, tendo economizado uma parte dos parcos ganhos por décadas, tornou-se o milionário da região. Para outros povos, especialmente os que não estão submetidos a clima rigoroso, a pura sobrevivência já prevalece sobre quaisquer noções de pecúnia.
Sempre que essas reflexões vêm à baila, ocorre-me o exemplo de Antonio Pereira Inácio, filho de um sapateiro de Baltar, Portugal, que chegou ao Brasil com 10 aos. Radicado no sul de São Paulo, já era um homem rico quando a filha Helena desposou o pernambucano José Ermírio de Moraes, o que originou o grupo Votorantim. O detalhe que poucos conhecem é que o português, já próspero, foi trabalhar como operário nos Estados Unidos para respirar o chão de fábrica num lugar de referência. No último dia, chamou os colegas para um jantar em Boston, e devolveu os salários recebidos para o Fundo dos trabalhadores porque fora lá para aprender. Dinheiro, tinha bastante. Assim sendo, entre hedonistas e poupadores, estroinas e austeros, temos o mundo. E é na encruzilhada do dinheiro com o poder e o amor que acontece a literatura universal. Que ninguém duvide.
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