A indústria da felicidade instantânea no Brasil
a – Neste estranhíssimo país onde nós vivemos, as pessoas fazem qualquer malabarismo para mostrar que mal caíram, já deram a volta por cima. O frenesi de se mostrar feliz é tão pueril e embute tanta imaturidade que deveria render a todos nós algumas lições.
b – Acho que ao caírem, as pessoas deveriam apalpar os ossos enquanto ainda estivessem no chão. Não há pressa em se levantar. Não há cura rápida para o baque estrepitoso. Aqui consagra-se o modelo do fazer de conta que não doeu.
c – Isso se vê todo dia. Até com a cantora que está doente e cujo marido revelou-se um biltre. Enfrentando um tratamento difícil, ela diz que está amando, que já arranjou outro. Nem os momentos extremos suavizam essa vocação nacional.
d – Semana passada, um apresentador foi defenestrado sob alegações graves para um jornalista. Muito graves! Mal sei quem ele é. Mas dizem que atravessou o samba, recorrendo a expedientes para vender serviços de assessoria, valendo-se da janela da Globo.
e – Nas últimas 48 horas, vê-se esse rapaz em vídeos estampando um sorriso amarelo-açafrão. A tônica da mensagem é que já foi chamado para tomar um café, dando a entender que tem acenos generosos da concorrência, que o futuro lhe sorri.
f – Em casa, imagino a dor escancarada. Duvida-se que ele queria esse desfecho. O golpe doeu, aleijou. O Rivotril sublingual deve ter sido um aliado, senão dele pelo menos dos familiares. Deve ter passado horas com o advogado ao telefone. É normal.
g – Diga: é ou não patético dizer que está tudo uma maravilha, como se o melhor da vida na tela não tivesse ficado para trás? Mesmo porque nenhuma nova relação instantânea cauteriza a dor da perda recém sofrida. Só se o cara for louco.
h – Mas no Brasil isso é proibido socialmente. Queda, só se for para cima. Qualquer seresteira brega que se desentenda com a irmã, o empresário, o maquiador, o namorado vem à internet para dizer que a vida nunca esteve tão boa. Para quê?
i – No Brasil, só em caso de morte o enlutado se poupa de dizer idiotices. Quando não, impera aqui essa cultura da felicidade boba, desse Polianismo. Tudo decorre do medo de perder – num sentido mais geral. Como há ganho sem perda? Perder é da vida.
j – A catástrofe não reside em levar um chute no traseiro e não achar o rumo de casa. Essa é uma situação até certo ponto banal. A catástrofe é dançar um forró numa lápide recém inaugurada onde jaz o cadáver fresco do que você foi até ontem. Francamente!
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