Futebolzinho chinfrim
Quando terminou o primeiro tempo de Brasil x Costa Rica, cheguei seriamente a pensar em desligar a televisão no intervalo e passar o restante da partida em passeio pela praia deserta. Afinal, o sol das 10 horas da manhã ainda estava no limite do saudável nessa época do ano, e eu estaria fazendo bem ao corpo e à mente, entediada com o jogo viciado pela esquerda, as caídas oportunistas (e vergonhosas) de Neymar para cavar faltas, o pé mal calibrado de Coutinho e a solidão abissal de Willian pela direita. Quanta mediocridade. Como podem marmanjos tão mimados renderem tão pouco? Mas então voltei ao sofá e resolvi dar uma chance ao segundo tempo que, bem sabia, seria forçosamente melhor. Enquanto o gol não saiu, perto do fim, pensei no adversário.
Devia correr o ano de 1982 e eu tinha 24 anos quando cheguei pela primeira vez a esse país fascinante chamado Costa Rica. San José era uma cidade pacata e ordeira, e me chamou a atenção a juventude com quem tive de me reunir profissionalmente, a grande maioria educada em boas universidades dos Estados Unidos. Gentis e acolhedores, não havia dúvida de que ali se travava o embate empresarial de uma forma muito mais ordeira e legível do que em El Salvador ou na Nicarágua, dois países vizinhos lacerados por conflitos internos. Tinha sim um quê de Panamá, mas persistia uma identidade cultural latina mais pronunciada, menos "yankee" por assim dizer. Foi contra esse país que jogamos nesta sexta e que Tite, nos festejos, foi à lona.
Ganhamos. Uma vez mais, não convencemos. A falta de Daniel Silva é abissal. Neymar faz jus à reputação crescente de que é um craque que fica a dever em momentos cruciais – e que pode nos valer tantos problemas quanto trazer alegrias. Paulinho, não fosse a súbita liquidez do Barcelona, jamais deveria ter saído da China. Casemiro tem méritos, mas está acostumado a jogar com grandes craques. Enfim, muitos deles podem surpreender, mas é inegável que temos boas razões para tremer quando, mais adiante, se chegarmos lá, nos depararmos com seleções realmente bem armadas (México), exuberantes (Croácia), efetivas (Alemanha), virtuosas (Espanha), surpreendentes (França) e atrevidas (Bélgica). Que desperdício de expectativa.
Louvo a Costa Rica que quase conseguiu um resultado histórico. Seja como for, embora não seja de misturar temas – por parecer manobra diversionista em favor ou contra o resultado –, jamais cansarei de elogiar o pequenino país, o único dos latinos a conseguir reverter seus índices de desmatamento. Ademais de os "ticos" se orgulharem desde sempre de ser a mais antiga democracia latino-americana, é abissal a goleada que eles nos aplicam em outros quesitos cruciais, fora das quatro linhas do gramado. Se nos desesperamos aqui como os níveis de mais de 8% de analfabetismo entre a população de mais de 15 anos, lá é de meros de 3%, segundo o BCIE. Em uma década, ainda não teremos recuperado essa desvantagem.
Na saúde, outro item que nos aflige, 95% da população dos "ticos" possui saneamento básico, ao passo que aqui mal passamos dos 80%. Isso por certo se reflete na expectativa de vida da população, que é de 79,4 anos por lá, e cinco anos a menos por aqui. Tudo isso os coloca em 37º lugar no ranking da OMS, ao passo que somos apenas o 125º. No mais, aqui temos 26,5 de mortes intencionais para cada grupo de 100 mil habitantes. Lá, um país sem exército nem forças armadas, esse número cai para 8,4 para cada grupo de 100 mil habitantes. Com saídas para o Atlântico e o Pacífico, a flora mais diversificada da América Central, a renda per capita é entre 25% e 30% superior à nossa. E o que é melhor: a Zona Franca de Puerto Limón funciona para fora.
Por essas e por outras, os "ticos" – espécie de "kiwis" neo-zelandeses centro-americanos –, não devem estar derramando lágrimas por conta da vitória brasileira nesse meio de tarde em São Petersburgo. Digamos que ela estava precificada. Patético sim é que dependamos de pênaltis cavados, cambalachos acrobáticos, simulações vis e a benevolência do relógio na prorrogação para cravar 2 x 0 na Costa Rica. Como não ser saudosista? Como não louvar a geração de homens que honravam seus calções, fumavam no vestiário, saíam para beber, namoravam, conversavam com os jornalistas à beira do gramado e só desabavam no choro quando ganhavam títulos memoráveis ou os perdiam? Tite, tchê, menos mimimi. Chama o analista de Bagé e fala grosso.
Desse jeito, Deus nos livre, voltaremos cedo para casa. Talvez na próxima semana!
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