Cozinheiro, por que não?
Semana passada falei sobre os reality shows culinários e, mais especificamente, sobre o papel desempenhado pelos jurados nesses programas (leia aqui). Agora, lanço meu olhar aos participantes dessas atrações e, mais especificamente, aos candidatos a MasterChef.
Ao contrário dos programas de culinária antigos, em que a ambição maior do telespectador era ver sua receita de família preparada ao vivo pelo apresentador, no MasterChef a intenção é outra: propiciar ao ganhador a chance de montar seu próprio restaurante. Daí os R$ 150 mil, o veículo utilitário e o curso na França oferecidos como prêmio; o objetivo simbólico é financiar a passagem do amadorismo para a profissionalização de um diletante das panelas.
E quem são esses diletantes? Na maior parte das vezes, típicos representantes da classe média urbana brasileira: jovens ou já maduros, com diploma de ensino superior e profissões aparentemente estáveis: publicitários, administradores, gerentes de nível intermediário ou microempresários. A gastronomia é um hobby que pretendem tornar sério. A pergunta é: por quê? Por que trocar uma carreira tocada no ar condicionado de um prédio comercial de São Paulo pela exaustão dia-e-noite de uma cozinha profissional?
A resposta vem na forma de outra pergunta: “e por que não?”.
Nossas certezas profissionais ruíram nas últimas décadas. A ideia de uma atividade “segura” ou “garantida” caiu por terra; diplomas de Direito, Medicina e Engenharia não asseguram futuro promissor a ninguém, apenas constituem o passaporte para disputar um pesado jogo de competição profissional. Ao mesmo tempo, vê-se hoje gente ganhando dinheiro jogando pôker profissionalmente (!), treinando equipes de videogame (!!) e abrindo caixas de produtos e as exibindo online (não entendeu? Leia aqui). Perto dessas atividades, cozinhar soa até convencional demais.
Além disso, não seria de estranhar se algum desses candidatos a MasterChef reportasse ter convivido com pais infelizes em seus empregos seguros e tradicionais, lamentosos de não terem dado vazão a algum hobby de juventude ou a algum pendor mais acentuado para as artes ou o esporte.
Diante de um cenário assim, que pai, mãe ou cônjuge teria coragem de desencorajar a aventura culinária de alguém, fosse como empreendedor ou como integrante da brigada de um restaurante? Se há uma evidente idealização da rotina de uma cozinha profissional entre os diletantes, ela muito provavelmente não é maior do que a que acomete a todos os iniciantes, em qualquer profissão. E garantia de sucesso ou segurança financeira, profissão alguma vai ser capaz de oferecer, de todo modo.
Os candidatos a MasterChef são ao mesmo tempo produto de sua convicção pessoal sobre a gastronomia e da nossa absoluta falta de convicção sobre qualquer profissão – e sobre a vida, quiçá
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