Brasil brasileiro à mesa

Celebrar as coisas do Brasil vem se tornando raro ano após ano. Deveria dizer que depois do 7 a 1 que tomamos dos alemães, perdemos o prumo? É claro que não. O estrago já datava de bem antes e o futebol foi só uma espécie de metáfora perfeita de noss...
Brasil brasileiro à mesa

Celebrar as coisas do Brasil vem se tornando raro ano após ano. Deveria dizer que depois do 7 a 1 que tomamos dos alemães, perdemos o prumo? É claro que não. O estrago já datava de bem antes e o futebol foi só uma espécie de metáfora perfeita de nossos infortúnios. Intercalando notícias ruins com outras piores, não é raro que esqueçamos de fazer as celebrações de nossas pequenas coisas, de juntar as peças dessa micro história que lateja por trás da economia criativa. E, é claro, por conta dessa negligência, o estado de espírito de negação nos contagia da pior forma. Afinal, que povo é feliz quando apartado de seus bens de cultura? O que seria dos alemães sem a cerveja? E dos italianos sem o vinho? 

Na terça à noite, por outro lado, em jantar de harmonização da lavra do "restaurateur" Carlos Moraes, do Café Gardênia, tivemos uma dessas ocasiões que se fazem raras. Isso porque durante mais de três horas podemos apreciar a ótima culinária à base de queijo da chef Camila Moura, sob olhar atento do curador Lucas Ventania, especializado na variedade mineira Canastra. Como esquecer o risoto untuoso e delicado com que ela brindou o salão cheio? E o que dizer do creme de mandioquinha com farofa de Parma, que pouco faltou para arrancar aplausos espontâneos dos comensais? O Canastra, presente da entrada ao petit-gâteau de doce de leite, foi servido em versões de 10 dias, 25 dias e até de 45 dias de maturação.  

Foi o mestre de cachaças Renato Frascino, um homem que irradia amor ao que faz – e ao que toma – que regeu os serviços. A cada rodada, vinha ele até a mesa e servia uma dose de aguardente artesanal envelhecida, algumas delas de biomas raros, outras que rescendiam ao Bourbon, como os uísques do Meio-Oeste americano. Destaque especial mereceu a Fraschinetto Três Madeiras e uma descansada em jequitibá rosa. À medida que o jantar avançava, mais eu espichava os olhos para o excelente charuto Monte Pascoal, um marco no gênero aqui no Brasil. À base de ingredientes tão nossos, como não sentir a emoção de celebrar nosso "terroir" e essas pequenas maravilhas que induzem ao pertencimento?

Fosse essa só mais uma rodada de queijos e vinhos franceses, talvez não tivesse tanto a destacar. Mas sendo uma noite dedicada a coisas de um Brasil profundo, e estando cercado pelos amigos de uma vida, por uma vez este ano me senti aconchegado numa pequena bolha de brasilidade. Teve tempos em que não tínhamos à mão tantas opções como temperos importados de longe e facilidade de escolher entre muitos rótulos. A vida exterior era mais acanhada, mas vicejava um gosto pronunciado por estarmos próximos aos pequenos símbolos de convivialidade. Foi com esse Brasil que o Gardênia nos acenou na noite memorável, em simpático e saboroso formato. Quando será a próxima vez que teremos essa experiência?  

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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