Eu, machista?

"Tenho horror àquele homem. Ele é o que você pode esperar de um cara machista". Eis como já ouvi algumas mulheres se referirem a certos indivíduos ao longo da vida. Ultimamente – detalhe impensável até décadas atrás –, juntaram-se a elas algumas pess...
Eu, machista?

"Tenho horror àquele homem. Ele é o que você pode esperar de um cara machista". Eis como já ouvi algumas mulheres se referirem a certos indivíduos ao longo da vida. Ultimamente – detalhe impensável até décadas atrás –, juntaram-se a elas algumas pessoas do sexo masculino, que também se referem assim a seus congêneres. Não faz muito tempo, eu ria dessas colocações e respondia com a maior inocência e naturalidade do mundo: mas você queria o quê? Ora, se o sujeito é homem, o normal é que seja meio radical em algumas coisas, não é? Se isso soa como "machismo", é falta menor. Pior seria se fosse ladrão, proxeneta, fascista, rubro-negro ou assassino. O fato de ser "machista" para mim estava na ordem natural das coisas, soava tão imprescindível quanto um toque de feminismo nas mulheres. Ora, se pode uma pitada de feminismo, por que não uma de machismo?   

Mas então passei a entender que, pouco a pouco, a conotação deixou de ser uma critica carinhosa, um reparo à intensidade com que alguns de nós tomávamos posição. Parecia, sim, haver um brilho de ódio nos olhos dos acusadores, uma sanção meio histérica numa voz que, deliberadamente, queira criminalizar uma espécie de desvio. Então, fui ao dicionário. "Machismo ou chauvinismo masculino é o conceito que se baseia na supervalorização das características físicas e culturais associadas ao sexo masculino (...) pela crença de que os homens são superiores às mulheres". Fiquei perplexo. Então houve, sim, uma mutação na conotação que se lhes atribuía antigamente. Ou então vá ver que fui sempre burro, o que não chega a me surpreender. Ou que vim ao mundo no lugar errado, no Agreste de Pernambuco, onde havia certa permissão para tal na infância. Será?  

Seja como for, o que diz o dicionário, na minha concepção, está longe, muito longe de ser o machismo tal como eu sempre o concebi. A conceituação ali posta não é aplicável a homens que tenham uma visão mais conservadora com respeito à mulher – seus espaços e seus papéis –, o que seria escusável. Meu pai era assim, meu avô também e meu bisavô nem se fala. O dicionário refere-se sim a um rematado imbecil, não a um rematado machista. Descreve sim uma espécie de supremacista de gênero, para usar outra patacoada. E agora, nesse novo universo, quando me perguntarem "você não está sendo um pouco machista?", terei de responder o quê? "Não, de jeito nenhum, Deus me livre". E não mais como fazia antes, quando, candidamente, admitia: "Acho que sou um pouco, sim". Em suma, não imaginava que um viés quase cultural pudesse ter se tornado sinônimo de falta grave. 

Mas, afinal, será que sou machista na conceituação dicionarizada? Não, na nova não. Só na antiga, apesar de ter feito progressos. Como isso se manifesta? Sei lá. Gosto de pagar conta, abrir porta, tomar as inciativas, ser propositivo e estar presente, se sinto uma mulher fragilizada. Danuza Leão escreveu domingo no Globo: "Eu, se fosse para escolher, preferia ser mulher, mas sem nunca abrir mão de ter um homem que me tratasse como mulher. E como não temos só o dever, como também a liberdade de aceitar (e escolher) todas as diferenças, eu lavo os pratinhos". Gostei, é o meu mundo. Afinal, eu sou ridículo lavando prato. Mas pelo menos hoje fico papeando na cozinha, e não mais lendo na sala. Insisto: a conceituação moderna é patética. Como dizem os ativistas de hoje: ela não me representa. Pois ela não descreve um machista, ela descreve um oligofrênico. E como faço doravante? Quando acusado, o que responderei? Sou ou não? Ou chegará a hora que o mais prudente será revirar os olhos, espalmar as mãos e dizer jamais.  

O tempora, o mores – como já disse aqui uma vez.  

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Domingo, 15 Dezembro 2024

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