As promessas e os perigos da precificação dinâmica

O desenvolvedor de aplicativos móveis Atom Tickets (foto) testou no mercado a precificação dinâmica com ingressos de cinema graças a uma rodada generosa de investimentos de US$ 50 milhões liderada pela Walt Disney, Lionsgate e 21st Century Fox. Com m...

O desenvolvedor de aplicativos móveis Atom Tickets (foto) testou no mercado a precificação dinâmica com ingressos de cinema graças a uma rodada generosa de investimentos de US$ 50 milhões liderada pela Walt Disney, Lionsgate e 21st Century Fox. Com mais de 4 bilhões de poltronas desocupadas todos os anos, o que representa uma perda substancial de receita, o objetivo era determinar um mecanismo de preço que preenchesse os lugares vazios.

O mercado de testes da Atom pode ser a preparação de um cenário para que as salas de cinema adotem a precificação dinâmica, isto é, a fixação de preços de acordo com a demanda em tempo real de bens e serviços. Embora a precificação dinâmica exista já há décadas, seu uso está se ampliando agora em novas indústrias além dos setores de viagens e hoteleiro, na medida em que os executivos buscam novas maneiras de maximizar receitas. A Atom, start-up de Santa Mônica, na Califórnia, testou seu aplicativo de mídia social em três mercados. Os testes foram feitos em duas grandes cadeias de salas de cinema: o Regal Entertainment Group e a Carmike Cinemas. Contudo, alguns especialistas veem com ceticismo a possibilidade de que uma precificação dinâmica como a utilizada no experimento da Atom possa se espalhar para outras redes como a AMC Entertainment Holdings ou para agências de ingressos, como a Fandango. Uma porta-voz da Atom afirmou que o aplicativo não virá equipado com recurso de precificação dinâmica quando for lançado nacionalmente este ano.

“Não dá para afirmar que a indústria do cinema adotará rapidamente a precificação dinâmica. Embora as pessoas estejam habituadas a pagar preços menores nas sessões diurnas e preços maiores nos finais de semana, não creio que elas estejam dispostas a pagar preços diferentes pelo mesmo filme oferecido no mesmo horário e no mesmo local”, avalia Senthil Veeraraghavan, professor de operações, informações e decisões da Wharton e coautor de um estudo sobre precificação dinâmica para equipes esportivas profissionais. Leonard Lodish, professor emérito de marketing da Wharton, aponta outra falha no conceito. A redução incremental do valor pode afetar a demanda dos frequentadores de cinema dispostos a pagar o preço total. “Se você abaixar o preço dez minutos antes do início do filme, o número de pessoas interessadas em vê-lo será provavelmente o mesmo”, aposta Lodish, que também é autor de uma tese sobre precificação dinâmica aplicada à precificação de spots no rádio e na televisão. Contudo, George Lawrie, vice-presidente e analista principal da área de profissionais de desenvolvimento e de implantação de aplicativos da Forrester Research, não desconsidera a ideia. Ele acredita que a precificação dinâmica possa ser adotada pelas salas de cinema se elas tiverem dados, aplicativos e infraestrutura para a implantação eficaz do sistema.

Catalisadores da precificação dinâmica
As mudanças na tecnologia e a maior aceitação da precificação dinâmica entre os consumidores estão levando mais indústrias a considerar o uso desse tipo de mecanismo de preço, embora o conceito exista há mais de 30 anos, observa Veeraraghavan. “Há um volume maior de tecnologia de mudança rápida de preços do que há dez anos. Além disso, um número maior de indústrias está consciente da precificação dinâmica, e os clientes estão se conscientizando de que essas coisas acontecem, o que lhes confere aceitação social”, fundamenta Veeraraghavan. 

O Uber é um ótimo exemplo de precificação dinâmica aplicada a um novo serviço que vai além dos produtos usuais de viagens e hotéis. O aplicativo de transporte, que permite ao consumidor contratar os serviços do dono de um carro particular, faz ajustes em seus preços dependendo da demanda, da hora do dia em que o usuário usa o transporte, quer esteja chovendo, nevando ou em outras condições. As pessoas estão se habituando a esse meio. “Estamos no início do estágio de aceitação”, constata Peter Fader, professor de marketing da Wharton e coautor do paper sobre precificação dinâmica juntamente com Veeraraghavan. Há, sem dúvida alguma, um interesse maior por esse tipo de precificação no mercado. “Recebo mais ligações do que antes de empresas interessadas na precificação dinâmica ou que demonstram curiosidade por ela. O número de ligações ainda é pequeno, mas está crescendo rapidamente. Mensalmente, me reúno com pelo menos uma pessoa ou empresa que quer explorar o segmento e há também mais discussões na sala de aula sobre o tema”, conta Veeraraghavan.  

Outro exemplo de crescimento da precificação dinâmica é o da Qcue, fornecedora de software, que em 2009, de acordo com a Forbes, assinou contrato com um cliente. Três anos depois, o rol de consumidores da empresa havia saltado para mais de 30 na Primeira Divisão do Beisebol, na Associação Nacional de Basquete (NBA), na Associação Nacional de Hóquei e na Primeira Divisão do Futebol. A Liftopia, companhia do ramo de comércio eletrônico que atua na nuvem, também está no caminho do crescimento rápido. A empresa foi fundada em 2005 para oferecer aos resorts de esqui a possibilidade de seduzir com descontos os clientes que comprassem antecipadamente os ingressos para teleféricos e mecanismos similares, a exemplo do que se faz na indústria de viagens. Desde que foi fundada, a empresa fechou contrato com resorts de ski em 36 estados, oito províncias do Canadá e 15 países estrangeiros.

O esporte abraça a precificação dinâmica
O esporte é uma indústria que vem acolhendo cada vez mais a precificação dinâmica para maximizar receitas em razão da demanda instável. Em 2009, por exemplo, o San Francisco Giants inaugurou o conceito de precificação dinâmica na Primeira Divisão do Beisebol ao oferecer preços mais baixos para lugares específicos através do software da Qcue. Desde então, o New York Mets, St. Louis Cardinals e o Utah Jazz adotaram algum tipo de precificação dinâmica.

Os Cardinals, por exemplo, usam um programa de precificação dinâmica associado ao seu sistema de emissão de ingressos em que a equipe muda os preços diariamente com base em fatores como pitching match-ups [situação em que um rebatedor canhoto, por exemplo, entra em campo para substituir um rebatedor destro porque o arremessador é destro], tempo, desempenho do time e demanda de ingressos. O time também informa aos que adquiriram entradas que esse tipo de precificação dinâmica dá aos fãs maiores opções de preços, e que em 69% dos jogos no ano passado, o preço foi de US$ 10 ou menos. “Os times esportivos agiram de forma inteligente e com bom senso”, observa Fader, da Wharton.

Contudo, a precificação dinâmica no esporte pode não funcionar conforme o esperado. O estudo que Fader escreveu em parceria com Veeraraghavan e Joseph Xu descobriu uma fragilidade: o total de receitas diminuía 0,8% se os preços não pudessem cair livremente mesmo que circunstâncias ? tais como o fraco desempenho do time ? garantissem isso. Se houvesse autorização para mexer nos preços livremente para cima e para baixo, a receita teria aumentado 14,3%. 

As artes cênicas são outra área da indústria do entretenimento em que, segundo Veeraraghavan, a precificação dinâmica funcionaria, bem como outros segmentos da indústria de viagens, além dos setores aéreo e de cruzeiros. O varejo talvez esteja pronto também para a precificação dinâmica, observa Lawrie, da Forrester. Ele afirma que as empresas com proporção elevada de custos fixos e com capacidade limitada podem estar prontas para a precificação dinâmica. “Talvez isso seja verdade também para o varejo sazonal, isto é, para a moda, em que o comerciante investe capital na aquisição de uma linha de estoque que deve ser todo vendido antes da próxima estação”, considera Lawrie.

Quando a empresa deve adotar a precificação dinâmica? 
Vários fatores devem ser levados em conta na hora de tomar essa decisão, e são fatores que variam muito, de acordo com os especialistas. “Há muitos tipos de precificação dinâmica”, observa Greg Girard, diretor do programa de estratégias de analítica de varejo omnicanal mundial da IDC. Ele observa a existência de quatro tipos comuns: gestão de rendimento ou receita, preços baseados em regras fixas, preços baseados em regras condicionais e preços personalizados.

A gestão de rendimento ou receita faz parte da precificação dinâmica baseada na oferta e na procura em que os clientes pagam preços diferentes pelo mesmo item. A indústria aérea faz isso há 20 anos, sendo que os navios de cruzeiro, locadoras de carros e hotéis juntaram-se a ela posteriormente. O preço pela mesma poltrona em um avião pode variar de um dia para o outro dependendo da demanda.

Os preços baseados em regras fixas são determinados com base na hora do dia, no dia da semana ou na semana de uma temporada. A indústria de restaurantes usa essa forma de precificação para os clientes que chegam mais cedo, por exemplo. Embora possa não haver demanda numa determinada segunda-feira, mesmo assim o prato com preço especial para o cliente que chega cedo continua disponível. A precificação baseada em regras condicionais difere das duas anteriores, pois se baseia na ocorrência de certas condições, tais como o comportamento do concorrente em relação aos preços, ou se o produto é perecível como, por exemplo, frutas.

Por fim, a precificação personalizada é um mecanismo de preços que se baseia nas características do cliente. Comparado com quem viaja a negócios, quem viaja por prazer está mais disposto a ser flexível se tiver de mudar o horário de viagem. Como consequência, a companhia aérea pode oferecer preços mais em conta a uma pessoa que viaja por prazer para evitar que ela use outra companhia, uma vez que tem horário flexível, ao passo que o viajante a negócios pode ter de pagar um preço maior porque está obrigado a usar certos voos fixos em determinadas horas do dia.

Os executivos que pensam em desenvolver uma estrutura de precificação dinâmica devem prestar atenção a três critérios fundamentais, observa Chris Fletcher, diretor de pesquisas da Gartner. Essas três qualidades se aplicam tanto ao consumidor como também para as empresas: elas devem ser digitais, dinâmicas e defensáveis. Digital significa que a precificação é automatizada com a ajuda de algoritmos. “Basicamente, isso quer dizer capacidade analítica complexa para extrair insights e recomendações de preços do big data”, ensina Fletcher. Ser dinâmico exige o ajuste de preços em tempo real, ou quase isso, ajuste também às demandas, ao estoque, atividade competitiva e outros inputs. Por último, a precificação tem de ser defensável perante o cliente. As empresas devem comunicar a metodologia e o raciocínio por trás da determinação dos preços, e mostrar que seus preços são coerentes e aplicados a todos os clientes.  “Como vendedor, você tem de explicar por que você está fixando preços com base na precificação dinâmica e o que o cliente ganha com isso. A forma como a precificação dinâmica é comunicada ao consumidor e ao cliente corporativo afetará sua aceitação”, reume Fletcher. 

*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e Universia, rede de universidades que conta com o apoio do Banco Santander. 

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Sábado, 14 Dezembro 2024

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