Esperança para a conservação da natureza nacional
Na próxima segunda-feira (18), o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), realiza em Brasília audiência pública sobre o novo Código Florestal Brasileiro. A lei foi aprovada em 2012, mas ainda recebe críticas por flexibilizar normas ambientais. Entre os assuntos que serão debatidos com representantes de vários setores estão pendências causadas pelas mudanças que o novo código introduziu e que são alvo de contestações na justiça. O Brasil talvez seja o único país democrático a piorar os mecanismos legais de proteção ambiental. No entanto, a audiência pública é uma esperança para a recuperação e conservação da natureza nacional.
No Código Florestal de 1965, a definição de área de preservação permanente (APP) e de reserva legal é clara. As APPs preservam os recursos hídricos e a biodiversidade para promover e estabilizar o fornecimento dos serviços ecossistêmicos, garantindo a manutenção dos ciclos evolutivos. Já a reserva legal amplia o esforço pela conservação e assegura o uso econômico e sustentável. O novo código, porém, distorce essas definições em vários momentos. A legislação atual descaracterizou, por exemplo, as APPs nas margens dos rios, que passaram a ser medidas a partir da borda da calha do leito regular e não do seu nível mais alto. Essa redução vai afetar áreas sensíveis e pode até acabar com nascentes ou causar o descontrole dos rios, gerando cheias ou secas mais intensas.
Além disso, a lei autoriza o uso de culturas em APPs, descaracterizando a sua função primordial de conservação. Já na reserva legal, atualmente é permitida a sua recomposição a partir do plantio intercalado de espécies nativas com exóticas ou frutíferas; sendo que até 50% da área a ser recomposta pode conter espécies exóticas. Se por um lado isso estimula o uso de culturas, o que não é compatível com o uso sustentável, por outro lado elimina a função complementar da reserva legal de ajudar na conservação. Outro ponto negativo é a redução da reserva legal na região amazônica, mesmo onde há vegetação. Muitas dessas áreas não têm vocação para agropecuária e seriam utilizadas apenas para extração da madeira, prejudicando ainda mais os ciclos e intensidade das chuvas no país. O resultado será desastroso para a população e a produção agrícola.
A compensação de área desmatada em outro estado, região ou bioma é outro grave equívoco. A lei antiga permitia a compensação na mesma bacia hidrográfica, ou seja, relativamente mais perto e com chances de serem áreas semelhantes. Esse critério era bom quando era regionalizado, mas tornou-se inócuo quando se tornou nacional. Assim, estimula a eliminação quase completa de ambientes naturais de alta diversidade que ocorrem em regiões valorizadas, com a compensação em áreas de baixo valor econômico e diversidade.
Se não bastasse o novo Código ser permissivo com a degradação, ele ainda introduziu um problema gravíssimo: a anistia a crimes ambientais passados. Com perdão ao que foi desmatado até 2008, gera-se uma ilegalidade e impede-se que essas áreas sejam recuperadas. Estimativas indicam que essa anistia reduzirá em 58% o que deveria ser recuperado: eram 50 milhões de hectares, mas agora, chega-se a apenas 21 milhões de hectares. Além disso, essa medida desestimula o cumprimento da lei, pois quem sempre a cumpriu, ao ver o perdão aos que a descumpriram, vai deixar de respeitar a legislação.
A legislação ambiental do Brasil é baseada em três pilares: a Constituição Federal, que trata sobre a responsabilidade coletiva com o meio ambiente, a lei de crimes ambientais e o Código Florestal. O que vimos em 2012 com a aprovação da nova lei foi o enfraquecimento desse tripé a partir da destruição do Código Florestal Brasileiro por interesses econômicos de uma parcela restrita da sociedade. A preocupação maior é que esse desmonte não veio sozinho. Outras leis importantes têm sido afetadas, como a que regulamenta incisos da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Existem vários projetos para descaracterizar o SNUC, tirando dele a eficácia na proteção do meio ambiente.
Dessa forma, em pouco tempo, o país dilapida o que o direito ambiental construiu ao longo de décadas. Também compromete o futuro da nação, pois é a natureza conservada – e apenas ela – que fornece os serviços ambientais essenciais para o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida da população, a exemplo do fornecimento de água, da formação dos solos férteis que sustentam a agricultura e da regulação do clima global.
*Biólogo, mestre em Zoologia, doutor em Ecologia e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. Também é pesquisador e professor na Universidade Federal do Paraná.
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