O alho e o comércio brasileiro com a China

Implantado em 1995, até hoje o protecionismo não alterou a baixa remuneração do produtor, o alto preço para o consumidor, nem tampouco a produção insuficiente
Será que a China vendeu quase 2 milhões de toneladas de alho para o mundo todo a preços inferiores aos custos de produção, ou fez isso apenas aqui, para beneficiar os consumidores brasileiros?

A única certeza que se pode ter por enquanto, além da queda do PIB em todo o mundo em 2020, é que as exportações brasileiras para a China cairão. Maior parceira comercial do Brasil desde 2009, relação que até 2019 nos rendeu saldo positivo total de US$ 131 bilhões, a China esse ano demandará menos commodities e forçará a redução dos preços das que comprar, por causa da queda do ritmo de sua economia. Além das razões objetivas para a diminuição das compras de produtos do Brasil, é notória a irritação chinesa com atitudes de algumas autoridades brasileiras, fato que certamente contribui para dificultar a relação comercial entre os dois países.

Como agravante, a confirmação da cobrança antidumping de US$ 0,78 por quilo de alho importado da China, pela Secretaria Especial de Comércio Exterior e Relações Internacionais do Ministério da Economia, com o argumento curioso que o produto chinês é vendido no Brasil a preço inferior ao seu custo de produção, o que configuraria o clássico "dumping". Essa tese é desenvolvida em arrazoado cheio de idas e vindas, ao longo das 218 páginas da portaria nº 4.593, de 2/10/2019. Apesar do alho chinês (branco) ser considerado de qualidade inferior à do alho brasileiro (roxo), o que justificaria ele custar menos, a diferença não foi aceita como argumento. No final, a decisão: "prorroga direito antidumping definitivo, por um prazo de até 5 (cinco) anos, aplicado às importações brasileiras de alhos frescos ou refrigerados, originárias da China". Portanto, serão cobrados, sobre o preço CIF do alho chinês, o imposto de importação de 35% ad valorem, de acordo com a Lista de Exceções à Tarifa Comum Externa, mais os US$0,78 por quilo.

A China comercializou 66 mil toneladas de alho para o Brasil em 2018, equivalentes a 3,5% das 1,9 milhão de toneladas oferecidas ao mundo naquele ano. Será que a China vendeu esses quase dois milhões de toneladas de alho para o mundo todo a preços inferiores aos custos de produção, ou fez isso apenas aqui, para beneficiar os consumidores brasileiros?

Manter essa punição ao produto chinês prejudica a população brasileira – que consome 300 mil toneladas de alho por ano –, por reduzir a concorrência entre o produto nacional e o importado. A medida foi tomada para proteger 4.870 agricultores, segundo a Associação Nacional de Produtores de Alho (Anapa), que produzem 100 mil a 140 mil toneladas anuais do produto. Para tentar provar o "dumping", a entidade brasileira denuncia o apoio do governo chinês aos seus agricultores, atacando lá o que reivindica ou deveria reivindicar aqui. E para "provar" que o preço do alho da China é inferior aos custos de produção, utiliza como parâmetro os números do "ajo morado" da Argentina, recurso do "terceiro país", que deixou de ser válido nas investigações antidumping contra produtos chineses em 2016, pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Um dos argumentos da Anapa é que o produtor brasileiro tem prejuízo na atividade, pois seu custo de produção é maior que a receita. Analisando os valores praticados pelo mercado, é possível constatar que o problema é outro, bem antigo, e tipicamente brasileiro: os preços para o produtor (alho nobre roxo, caixa de 10 quilos), segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), eram os seguintes, em março de 2019: R$ 58,88 (SC); R$76,40 (RS); R$ 70 (GO); R$ 94,76 (MG). No atacado, o alho argentino estava R$ 131,47 e o mineiro era vendido a R$ 135,36. Para o consumidor era de R$ 2,61 a embalagem de 100 gramas, o que equivalia a R$ 261 a caixa de 10 quilos, quatro vezes mais que o valor recebido pelo agricultor catarinense, por exemplo.

Estudo do Ministério da Agricultura (Mapa) sobre o alho no mundo revela que a produtividade brasileira, de 11,4 ton/ha, é a 25ª no ranking, menos da metade da média alcançada pela China (27,1 ton/ha). Algumas grandes empresas no Brasil alcançam 15 ton/ha, mas a grande maioria dos produtores fica na faixa de 7 ton-8 ton/ha. Em 1998, a produção mundial de alho era de 11,9 milhões de toneladas. Em 2017, a China produziu 22,2 milhões de toneladas, equivalentes a 79% do total mundial de 28,2 milhões de toneladas.

Ao invés de reduzir a área plantada – 10,6 mil ha em 2017, contra 12,9 mil ha em 1997 –, e tentar se proteger da concorrência internacional impondo barreiras políticas, o Brasil pode inverter a lógica de importador líquido, triplicar a produção e passar a disputar o mercado mundial com a China, Argentina e Espanha. Tendo preço para o produtor que garanta a rentabilidade da cultura, sobrará interessados em plantar alho.

Implantado em 1995, até hoje o protecionismo não alterou a baixa remuneração do produtor, o alto preço para o consumidor, nem tampouco a produção insuficiente. Ainda assim, o segmento terá agora mais cinco anos de "proteção" – e o governo a receita adicional com a taxa antidumping (de US$ 51,5 milhões em 2018, considerando-se as 66 mil toneladas importadas). Muito pouco, é verdade, se comparado a um hipotético impacto negativo de 1% causado à corrente de comércio Brasil-China, de quase US$ 100 bilhões no ano passado. A conferir. 

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Quarta, 24 Abril 2024

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