Quase primavera
Em tese, temos ainda um mês de inverno pela frente. Na Europa dessa última semana de fevereiro, as rajadas de vento podem ser surpreendentes e ninguém está imune a uma nevasca ocasional e a uma baixa brusca de temperatura, levando o termômetro a zero grau. E, no entanto, alguma coisa já mudou nos ares. É como se os que estão agasalhados há mais de cinco meses, começassem a identificar discretos sinais de primavera aqui e acolá. O sol já não se põe em pleno meio da tarde; os pássaros ensaiam os primeiros trinados e pessoas que sequer se conhecem se saúdam com um esboço de sorriso.
Convenhamos, por mais que as mudanças climáticas tenham suavizado enormemente os contornos rigorosos das estações geladas nesses últimos 30 anos, o frio ainda é uma provação dura de suportar para muitos. E não me refiro aqui a moradores de rua e a pessoas desprovidas de recursos para se proteger. Falo do que significa para muitos despertar em plena escuridão e, ao meio-dia, ao contemplar o céu, ver apenas um disco frio e pálido no meio das nuvens, que logo desaparecerá, algumas vezes às 4 da tarde. Como será que se sentem velhos e crianças em especial?
No norte, onde alguns países invadem o Círculo Polar Ártico, é inevitável o advento do "kaamos", nome que se refere à irritabilidade e depressão dos mais vulneráveis à escuridão absoluta, à total falta de luz solar. Lá na Lapônia, até as pistas de esqui são iluminadas e alguns cafés contam com iluminação forte e extravagante que tenta reproduzir a claridade solar. Ao cabo de uma hora nessas dependências, estímulos hormonais elevam o ânimo das pessoas que lá chegaram vergadas pelo peso da melancolia. Até que um dia, a primavera também se anuncia para elas. E tudo começa a mudar.
Nessa última semana de fevereiro, já se veem as primeiras mesas dos cafés ganhando as calçadas. São poucos os valentes que ousam ali ficar à espera de um afago do sol. Mas no pico do meio-dia, por que não? O comércio faz os últimos reparos para receber os clientes da primavera e há uma mudança brusca e visível nas vitrines. Isso porque já não é sacrilégio experimentar cores. Pelo contrário. Os tons vivos das peças expostas assinalam um renascer irreverente, como se vestir uma blusa de algodão de cor pistache significasse um aceno à esperança.
A um mês da entrada oficial da primavera, o casal que tem um café-padaria na Route du Polygone também se prepara para dias de renovação. Quando digo "à demain" – até amanhã – à proprietária, ela responde, entre culpada e sem jeito, que estarão fechados entre sexta, 24, e segunda-feira. Que terão prazer em me ver na terça, se ainda estiver por aqui. Vão visitar os netos que moram às margens do Reno. Sim, será a primeira trégua desde agosto, dizem como se pedissem minha compreensão. Que se divirtam. A semana parece mesmo convidativa para um pouco de evasão. A primavera é, sobretudo, um estado de espírito.
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