Os meninos da caverna tailandesa

Eu e o mundo amamos a Tailândia. Da primeira vez que lá estive, saí com meu representante Sudesh Bhatia pelas ruas iluminadas de Patpong, o distrito boêmio de Bangkok, encantado com a doçura de um povo que mesmo nas suas proposições eróticas, era ter...
Os meninos da caverna tailandesa

Eu e o mundo amamos a Tailândia. Da primeira vez que lá estive, saí com meu representante Sudesh Bhatia pelas ruas iluminadas de Patpong, o distrito boêmio de Bangkok, encantado com a doçura de um povo que mesmo nas suas proposições eróticas, era terno e sorridente, o que nem sempre é moeda comum quando se trata de sexo pago. Agradecíamos, dizíamos que não e, no fundo, eu me preocupava com o futuro daquelas jovens lindas, perigosamente expostas ao vírus da AIDS, muito mais letal naquela época do que agora, pelo que leio a respeito. 

Do antigo hotel Dusit Thani, trago a lembrança de templo budista que ficava bem ao lado. Era lá que eu ia dar um passeio noturno para aspirar o aroma das flores exuberantes e do incenso. Ali ninguém falava alto, e as gesticulações abruptas e bruscas eram consideradas de péssimo gosto, e o sorriso era a imagem de marca do país. Nos primeiros anos, era absurda a quantidade de estrangeiros que conheci que viviam lá. "Não há outro país no mundo com gente tão gentil e hospitaleira. Isso propicia elevação de alma, mesmo que você não seja religioso".   

Os anos transcorreram e as viagens se sucederam a todas as regiões do país. A última grande descoberta foi Chang Mai, no norte, que me encantou. A observar sempre dois dogmas, por assim dizer: mesmo estrangeiros precisam mostrar muito respeito pelo Rei, que não pode ser objeto de piadas e escárnio. O mesmo vale para o budismo. Tanto na visita aos templos quanto no comparecimento aos cultos, impunha-se uma atitude deferente. No mais, tudo é permitido. Donos de uma natureza exuberante e de uma culinária que encanta o mundo, a Tailândia é um atalho para a felicidade.  

E, no entanto, eis que o mundo recebe com desespero as notícias sobre novas chuvas fortes que cairão na região onde doze crianças e seu treinador estão encarceradas numa caverna. Como único contato com o mundo, contam com mergulhadores experientes que os acessam depois de nadar longa distância sob a água. Um garoto poliglota – fala tailandês, birmanês, inglês e mandarim – virou porta-voz do grupo e, tal como aconteceu com os mineiros do Chile, novas hierarquias se estabelecem lá dentro. O grande perigo é que venham chuvas torrenciais que os encurralem. 

Esperançoso de que tudo acabe bem, leve o tempo que levar, é na periferia dos fatos que assoma a beleza. Os garotos, como todo mundo, queriam saber os resultados dos jogos da Copa e muitos atletas lhes mandaram mensagens de solidariedade, a começar pelo nosso adorável Ronaldo Gorducho, o sorriso mais fácil do mundo da bola. Em torno do sítio, aglomeram-se repórteres, mas também voluntários do mundo todo que se esforçavam em drenar as águas ameaçadoras. Se eu fosse da Qatar, já lhes teria oferecido as passagens para a próxima Copa ao vivo. Resistam, meninos. 

A vida me deu um coração que muitos consideram duro. Pode ser, mas não saberia julgar. No entanto, como meu amigo Evandro Affonso Ferreira, me desmancho em lágrimas com a solidariedade. E ela não tem faltado aos garotos e a esse fascinante país. Se soubesse rezar, juro que o faria. Mas, no dia que voltar à Tailândia, acenderei incenso na intenção de vocês como pagamento de promessa. 

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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