A marcha dos desesperados
Semana após semana, acompanho pela imprensa a massa humana que se desloca a caminho dos Estados Unidos. Dia após dia, leio alguma coisa sobre o perfil dos caminhantes que protagonizam essa transumância surreal. Hora após hora, tento imaginar a formação desse núcleo em San Pedro Sula, Honduras, e que, a exemplo de um tsunami, avança pelo território mexicano.
Muitos se chamam Juan, Pablo, Conchita, Dolores e Rolifild. Muitos levam filhos de pouca idade a reboque, o que só confere dramaticidade à caravana. Acossados nas ruas pelas gangues terríveis que espalham a morte pelas ruas de Tegucigalpa, as chamadas "maras", todos são invariavelmente vítimas de governos carcomidos, corruptos e sem projeto.
Superando sofrimentos e privações, ora acolhidos com solidariedade nas cidades por que passam, ora com o olhar enviesado dos mantenedores da ordem, eles parecem siderados pela imagem do Eldorado americano. Chegar à fronteira texana, onde podem estar os capítulos mais dramáticos dessa epopeia, equivale a vislumbrar o paraíso ou a Terra Santa.
Onde já vi coisa parecida? Em "Os sertões", de Euclides da Cunha, havia essa marca de fanatismo manso, a fé cega em que tudo acabará bem porque pior do que está é impossível. Contagiados mutuamente por essa crença, eles avançam. A fome, as dores e as doenças ficam em segundo plano diante da palavra de um Antonio Conselheiro invisível. A beleza está em não ter líderes.
Como não torcer por eles? Como não sonhar com uma solução de última hora que contemple tanta perseverança? E se em dado momento alguns países decidirem acolhê-los? Parte vai para a Dinamarca, outra para a Itália, outra para a França e mais um pedaço para o Uruguai? E se Trump conceder uma espécie de indulto humanitário surpreendente? Só resta a torcida.
Na verdade, não se passará um só dia doravante em que eu não procure saber deles. Por trás de tudo, a corrupção. Acima de tudo, o populismo escrachado, a demagogia e a ignorância. Mas isso ficará para depois, para mais tarde. O que importa agora é que eles continuem avançando. E que um guarda de fronteira se apiede na vigésima-quinta hora, baixe a arma e lhes dê um sorriso.
Seria um lindo "Welcome".
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