Pawel Adamowicz

No domingo fiz um breve trajeto de trem entre Brno e Praga, a bela capital da República Tcheca. No mesmo compartimento de segunda classe que ocupava com mais um passageiro idoso, dois poloneses de uns 30 anos trocavam impressões ora acaloradas ora pe...
Pawel Adamowicz

No domingo fiz um breve trajeto de trem entre Brno e Praga, a bela capital da República Tcheca. No mesmo compartimento de segunda classe que ocupava com mais um passageiro idoso, dois poloneses de uns 30 anos trocavam impressões ora acaloradas ora pesarosas sobre um tema que, pelo que eu já vinha lendo, tem galvanizado seu país desde a semana passada: o assassinato em praça pública do prefeito de Gdansk, Pawel Adamowicz, de 53 anos, na noite do penúltimo domingo, fato que também vinha dominando o noticiário europeu há vários dias.   

Ora, o polonês para mim é uma língua sumamente complicada. Tirando raras palavras de raízes greco-latinas, a maior parte do palavrório eslavo me é ininteligível. A experiência, contudo, nos ensina a acompanhar o diapasão de uma conversa entre estranhos apoiados em algumas palavras chave e em atenta observação da linguagem não verbal. No caso daquele embate, estava patente que eles se ressentiam enormemente do sucedido e, em dado momento, um dos rapazes chorou a ponto de soluçar, e senti que não eram só lágrimas de juventude.  

Então entrei no bate-papo. Surpreendidos pelo interesse que o tema despertava num brasileiro anônimo, laçado ao acaso num trem tcheco, um deles se encarregou de fazer o elogio ao morto. "Pawel estava à frente da prefeitura de Gdnask há mais de 20 anos. Era independente politicamente e as motivações do assassino ainda não estão claras. Não estava fazendo escada para chegar à presidência, ao contrário do que acontece com pessoas com suas credenciais e eleitorado. Ele era um homem de sua cidade. Vá lá visitá-la um dia". 

Então contei-lhes que já tinha ido a Gdansk, há três anos, e que tinha gostado imensamente da cidade. "Cheguei lá movido pela curiosidade de ver o berço onde nasceu o sindicato Solidariedade, de Lech Walesa. E fiquei maravilhado por encontrar uma cidade de características hanseáticas, como muitos portos do Atlântico e do Báltico". Então ambos se empolgaram e retiraram da bolsa latas de cerveja tcheca. "Estamos honrados em brindar com você. Gostaríamos de ir ao enterro, somos de Varsóvia, mas trabalhamos em Praga".

Foi assim que soube mais sobre esse homem singular que foi Pawel Adamowicz, um prefeito nos moldes do que pode ter sido Jaime Lerner para Curitiba, ou seja, um homem comprometido com os munícipes. "A família dele está acalmando os ânimos porque nenhum discurso de ódio o trará de volta e isso pode acender um rastilho de pólvora na Polônia". Brindamos mais uma vez ao bravo homem que morreu numa festa pública de arrecadação de fundos e nos despedimos quase emocionados, não sem trocar coordenadas de Facebook. 

Pensei: felizes dos cidadãos que têm prefeitos visceralmente comprometidos com o destino do burgo e só com ele. Na próxima oportunidade, voltarei a Gdansk e a verei com outros olhos. Torcendo para que as digitais de seu amado prefeito continuem presentes e que sua morte brutal não traga instabilidades a um país tão vital para o equilíbrio de forças da Europa. Europa esta que Pawel defendia com unhas e dentes, o que se explica até pela geografia que colocou Gdansk ao lado do enclave russo de Kaliningrado. Foi mesmo uma pena. 

Vida longa à boa vontade, à competência, à tolerância e aos radicais de centro. 

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Sexta, 19 Abril 2024

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