Por que o Small Data é o novo Big Data

O consultor em neuromarketing Martin Lindstrom entrevistou 2 mil famílias em mais de 77 países para saber como elas vivem. O resultado foi o que o pesquisador gosta de chamar de Small Data. Em seu novo livro, “Small Data: pequenas pistas que revelam ...
Por que o Small Data é o novo Big Data

O consultor em neuromarketing Martin Lindstrom entrevistou 2 mil famílias em mais de 77 países para saber como elas vivem. O resultado foi o que o pesquisador gosta de chamar de Small Data. Em seu novo livro, “Small Data: pequenas pistas que revelam grandes tendências” [Small Data: The Tiny Clues That Uncover Huge Trends], o autor afirma que o Small Data está por trás daquilo que o Big Data revela. Confira, a seguir, a entrevista.

Explique, por favor, a diferença entre Big Data e o que estamos chamando aqui de Small Data.
O Big Data se preocupa em achar correlações em grandes volumes de dados. Um exemplo disso aconteceu em 2012, quando o Google estava analisando algoritmos de busca e concluiu que eles podiam prever um surto de gripe com dois dias de antecedência com base nas buscas de “gripe” feitas pelos usuários. A comunidade médica estava agora encomendando com antecedência seus produtos farmacêuticos porque tinham essa informação, o que é fantástico. Contudo, recentemente, o Centro de Controle de Doenças concluiu que o Google estava totalmente equivocado. Na verdade, os números eram duas vezes maiores porque as pessoas não estavam apenas digitando “gripe…”. O Big Data está preocupado em achar correlações, enquanto o Small Data se preocupa com causas, motivos que estão por trás das coisas. Uma simples pergunta feita na casa de um indivíduo qualquer provavelmente revelaria que esses números eram, tudo indica, um pouco otimistas demais. Esquecemos disso quando ficamos muito obcecados em provar tudo com números.

Você apresenta no livro vários exemplos disso. Queria que você mencionasse alguns porque o que mais salta à vista inicialmente é o uso do smartphone. Sejamos francos: quem não tem smartphone hoje é a minoria. O smartphone reúne uma quantidade enorme de informação sobre as pessoas.
É verdade. Ele pode nos dizer muita coisa sobre quem somos e com o que sonhamos. Pode também direcionar o usuário do smartphone para que chegue a uma conclusão sobre todo um país, o que considero fascinante. Uma coisa que tenho feito nos últimos dez anos é investir um tempo tremendo na casa do consumidor. O número de casas em que já morei ou visitei em 77 países diferentes ultrapassa 2 mil. Aí então você começar a perceber o que acontece. Fico fascinado, por exemplo, porque se você pega a cultura russa, verá que o povo não sorri muito. Na verdade, os russos são muito introvertidos. Se pegarmos a cultura saudita, veremos que falta água ali. Não há muita verdura. Agora, se voltarmos ao smartphone e observarmos o uso de emojis, veremos que o emoji mais usado pelos russos é o do sorriso. Sorriso e coração. O emoji mais usado pelos sauditas é o do vaso com uma plantinha. No Reino Unido, o emoji mais usado é o da carinha piscando, porque tem um quê do humor meio atravessado dos britânicos. Pode-se espremer uma população inteira em um pequeno sinal, num pedaço diminuto de Small Data que, na verdade, faz sentido quando se conhece a cultura, quando se passa um tempo na casa das pessoas. É desse equilíbrio tênue que estamos falando…

Você trabalhou com diversas empresas em sua carreira. De que maneira elas estão procurando usar esses dados para atingir o consumidor de modo mais eficaz? De que modo elas são afetadas por essa mudança e, talvez, até mesmo pelo crescimento do interesse pelo Small Data?
O que estamos descobrindo agora é que essas empresas, que dependem tanto do Big Data, já começam a ter problemas. O melhor exemplo é o WalMart, que anunciou recentemente, pela segunda vez, lucros abaixo do esperado. A empresa tinha a maior instalação de prospecção de dados do mundo, e ponto final. Isso dá bem a dimensão de como as coisas estão. Um dos meus clientes é a Lowes Foods, da Carolina do Norte. A empresa decidiu viver efetivamente com o consumidor. Ela hoje mora na comunidade para compreender o Small Data, para colhê-lo. Como consequência, a empresa agora está muito mais interessada em se embrenhar na comunidade e criar, de verdade, uma comunidade dentro da loja. Quando alguém entra na loja, encontra uma comunidade fantástica em que todo funcionário, que é parte de uma equipe, age de modo específico com base no Small Data. Há uma seção de salsichas feitas à mão no supermercado. Há, inclusive, salsichas que brilham no escuro. Não estou brincando. Há um setor de frangos em que os funcionários saem dançando pela loja quando o frango está pronto para ir ao forno. As pessoas me dizem, quando as entrevisto na loja, que se sentem em casa: “É como se eu estivesse de volta à minha comunidade.” Essa é a essência do que descobrimos quando estávamos pesquisando o Small Data. Aprendemos que a comunidade física está morrendo. Tudo está migrando para a nuvem. As pessoas têm um desejo imenso pela interação tátil, porque a única coisa que tocamos é nosso smartphone de manhã. Esse, portanto, foi um exemplo concreto de como um varejista mudou completamente e hoje é um dos que mais crescem na região porque deu ouvidos ao consumidor e ao Small Data.

Sob alguns aspectos, vimos isso acontecer no decorrer dos últimos anos, mais ainda se trata de um processo em que várias empresas não apostaram totalmente. A coisa acaba se tornando uma de suas maiores armadilhas…
Recentemente, fiz um discurso para 3 mil executivos aqui em Nova York. Pedi que levantasse a mão quem tivesse passado pelo menos um ou dois dias na casa de um consumidor nos últimos dois anos. Duas pessoas ergueram a mão. Isso diz tudo, conforme costumo dizer. Se você tem uma namorada ou namorado, você não diria que ama essa pessoa por causa da altura dela ou por causa dos quatro últimos dígitos do seu celular, como se fosse vidrado neles. Certo? Não, aqui entra em jogo o aspecto emocional. É muito difícil para a direção executiva e para a gerência sênior compreender isso, porque eles confiam muito nas reuniões que fazem a portas fechadas e de persianas abaixadas. De repente, se veem obrigados a se despir dessa identidade e a entrar na casa do consumidor real. É a partir desse ponto que, creio eu, a geração mais jovem vai começar a entender as coisas. Vou lhe dizer uma coisa: se eu tivesse 15, 18, 20 ou 25 anos hoje, a primeira coisa que eu faria seria entender mais profundamente a psicologia do consumidor. Para isso, passaria mais tempo em sua casa porque esse será um ativo muito importante no futuro. Toda empresa vai querer isso.

Se você voltasse 20 ou 30 anos no tempo, quantos CEOs passariam um ou dois dias no lar de um consumidor ou de alguns consumidores? Isso seria um dado natural do processo. Agora tem de ser mencionado para que se ponha em prática?
Sim, agora é preciso. Tive a honra de passar um tempo com o fundador e dono da IKEA, Ingvar Kamprad. Desse encontrou ficou uma história divertida. Faz muitos anos, fui a uma de suas lojas em Estocolmo, na Suécia. Tinha uma reunião marcada com ele. Ele não estava em parte alguma do escritório. Disse então às pessoas que ali estavam: “Onde está ele?” Elas disseram: “Bem, é provável que esteja no lugar de sempre.” Eu disse: “Onde?” Elas responderam: “No setor do caixa.” Fui então até os caixas. Adivinhe! Lá estava ele, sentado em um dos caixas passando a mercadoria dos clientes. Então lhe disse: “Por que você faz isso?” Ele respondeu: “Porque essa é a pesquisa mais barata e mais eficaz que existe. Pergunto às pessoas por que elas escolheram tal coisa e por que não outra.” É isso, no fundo, o que caracteriza o bom líder. Perdemos contato com esse tipo de coisa. Estamos tão ocupados que usamos isso como desculpa para não estar presente. No entanto, acredito que se pegarmos hoje os bons líderes empresariais do futuro, como o fundador do Gopro, veremos que estão muito próximos, de maneira prática, do público real. Ele sabe o que eles estão pensando. Ele já foi consumidor e pensa como eles. Esse instinto só se consolida se você estiver presente de fato na casa das pessoas. Se você olhar só para os números, jamais desenvolverá um instinto desse tipo.

De que a modo a Internet afetou o Small Data?
Bem, ela nos afeta de um modo bastante inteligente. De um lado, você tem empresas enormes como as Amazons e os eBays do mundo, que prosperam graças ao Big Data. Muitas empresas de pequeno porte foram levadas a acreditar que tinham de seguir essa tendência. Contudo, vou lhe contar uma coisa muito interessante. Conforme você deve saber, a Amazon abriu, recentemente, sua primeira loja física em Seattle […] Por que você acha que eles fizeram isso? Pelo que pude perceber, as vendas de livros estão se estabilizando num único patamar na Amazon, e até mesmo as vendas do Kindle não estão crescendo muito mais. Por isso, a empresa está tentando descobrir outros segmentos por onde incursionar. O Big data está lhe dizendo que a interação pessoal é necessária. Abri recentemente com uma palestra um evento da American Bookseller Association [Associação dos Livreiros Americanos], em Denver. Ao discursar diante desses livreiros internacionais espalhados pelo mundo, perguntei a eles: “Vocês não têm medo da Amazon?” Eles me disseram a mesma coisa: “De jeito nenhum. Vou lhe explicar por quê.” E acrescentaram: “Porque eles não estão envolvidos com a comunidade.” Toda livraria hoje está se envolvendo com a comunidade […] Elas estão conversando com autores, se integrando. Estive em uma reunião em uma livraria cuja equipe é composta de dez pessoas. Eles fazem mais de mil eventos ao ano. Isso está virando um jeito de ser dessas pessoas. É também reflexo do poder do Big e do Small Data, porque ambos são como o ying e o yang, em que o Big Data na Internet é bom para realização de transações mediante um clique: pega-se o que se quer e adeus. Poderíamos dizer que o Small Data está abastecendo as compras experienciais, o sentimento de comunidade, dos sentidos ? tudo aquilo que não se pode replicar online…Costumo dizer que os dois são parceiros de uma dança. Temos apenas de garantir que ambos estejam presentes. Nenhum dos dois pode dançar consigo mesmo, certo?

Quanto você acha que crescerá realmente a utilização do Small Data com a mudança de geração?
Já exploramos excessivamente o Big Data. Não sou eu apenas que estou dizendo isso. Trabalhamos e interagimos com uma porção de empresas que usam o Big Data. Praticamente todas elas nos dizem: “Você tem razão. Precisamos dessa hipótese para explorar nossos dados.” Contudo, as pessoas não querem nem sequer ouvir falar a respeito disso, porque não está na moda tocar nesse assunto. O que estamos vendo acontecer agora é o movimento em direção contrária do pêndulo. Muita gente vai começar a dizer: “Esse Big Data é muito bom. Contudo, é possível que tenhamos de encontrar algumas hipóteses muito boas.” Um bom exemplo disso é o de um banco importante dos EUA que, recentemente, fez uma análise em seus dados e concluiu que tinha muita rotatividade. A rotatividade ocorre, basicamente, quando as pessoas abrem uma conta no banco e depois a encerram. O banco concluiu que as pessoas não estavam felizes. O banco então preparou algumas cartas e mandou-as aos clientes com a seguinte indagação: “Por que você não está contente?” Bastou meio dia de entrevistas com os consumidores em suas casas para mostrar que eles não estavam deixando o banco. Na verdade, tinham se divorciado e um dos ex-cônjuges teve de abrir outra conta. É isso que estamos começando a perceber agora. É preciso lembrar que com o crescente domínio de robôs e da tecnologia, nós, seres humanos, nos tornaremos, e teremos de nos tornar, mais inteligentes. Um bom exemplo disso é o carro sem motorista do Google. O que pudemos perceber foi que os dois ou três acidentes ocorridos não foram caudados por ele. Os acidentes acontecerem porque seres humanos violaram as regras inseridas no computador do veículo. De repente, começamos a tomar parte desse jogo. E isso não vai parar por aqui. À medida que o Big Data se tornar mais inteligente, o ser humano se tornará ainda mais inteligente. Essa é a razão pela qual o futuro girará em torno daquelas pessoas que poderão acrescentar criatividade ao jogo, gente que pensa diferente.

*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e Universia, rede de universidades que conta com o apoio do Banco Santander.  

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Sexta, 26 Abril 2024

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