O vinho, na Argentina, preso na armadilha brasileira

  Por duas ou três vezes, escrevi aqui no blog que a tentativa de ritualizar o consumo do vinho no Brasil, emprestando-lhe uma dimensão sofisticada e intelectualizada, tinha afastado o grande público da bebida. Com isso, por mais que se abra espaço p...
O vinho, na Argentina, preso na armadilha brasileira
 

Por duas ou três vezes, escrevi aqui no blog que a tentativa de ritualizar o consumo do vinho no Brasil, emprestando-lhe uma dimensão sofisticada e intelectualizada, tinha afastado o grande público da bebida. Com isso, por mais que se abra espaço para o vinho na imprensa, nas lojas e nos restaurantes, o resultado permanece um consumo per capita modesto no país, visto que restrito a uma parcela elitizada dos consumidores. Lembro até que certa vez alertei para o risco de que o uísque seguisse caminho parecido, numa época em que se falava do aumento do consumo dessa bebida no Brasil.

Agora, vejo que fenômeno semelhante ocorreu na Argentina. Segundo matéria do Estadão (disponível aqui), vem caindo o consumo de vinho no país vizinho, e parte da responsabilidade pode ser atribuída a estratégias de comunicação infelizes, como destaca um dono de restaurante: “Pegaram uma bebida popular e a transformaram em algo inacessível. As pessoas que tinham tomado vinho a vida toda começaram a ser criticadas por misturar o vinho com soda (água gaseificada), por colocar gelo, [advertidas de] que não podiam tomar o vinho gelado. Aumentaram os preços (...) e deixaram as pessoas comuns de fora do mercado. Fizeram com que fosse vergonhoso abrir uma caixa de vinho tetrapack e assim entregaram o mercado à indústria cervejeira”.

Mais claro e direto, impossível.

A ritualização é uma boa estratégia para justificar preços mais altos de marcas premium, ou mesmo promover o upgrade de produtos vistos como indiferenciados pelo consumidor. Produtos populares, amplamente disseminados, não precisam contar com esse apelo – não, ao menos, quando se fala da categoria como um todo. Se uma marca específica quisesse adotar um posicionamento que evocasse sofisticação, nada a opor. Porém, querer mudar de patamar uma categoria inteira cujos resultados são bons, sofisticando-a, não é apenas antipático – é ilógico. Soa como censurar a espontaneidade alheia brandindo em mãos um manual de boas maneiras.

Quase 10 anos depois de minha primeira postagem sobre o assunto, a armadilha brasileira não só segue intacta por aqui, como passou a ser exportada. Os hermanos, contudo, ainda têm tempo hábil para se livrar dela.

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Quarta, 08 Mai 2024

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