Olho vivo, faro fino
Segundo especialistas, "a espionagem de Israel (...)foi incapaz de juntar fragmentos de episódios que chegavam a seu conhecimento e, com isso, prever do que o Hamas seria capaz" (Folha de S. Paulo, 02/11/23). Longe de ser um risco apenas para serviços de inteligência nacionais, a dificuldade de unir os pontos de evidências dispersas constitui ameaça também às empresas. Afinal, departamentos de análise de mercado vivem disso: coletar, analisar e disseminar informações de modo a permitir medidas preventivas. O problema é que essa tarefa exige separar som de ruído, o que nem sempre é fácil. Embora a tecnologia facilite bastante a tarefa de coleta de dados, contextualização e projeção ainda são atribuições eminentemente humanas e, portanto, sujeitas a uma capacidade de absorção e processamento limitada. A chance de supervalorizar desimportâncias é a mesma de subestimar grandezas.
O desafio é especialmente relevante quando se trata de antecipar movimentos de concorrentes e de identificar comportamentos emergentes entre os consumidores. Para ambos, um exercício simples para se manter pari passu com os acontecimentos é, de tempos em tempos, arrolar todas as observações coletadas e tentar dividi-las em categorias, de modo a construir um mapa mental minimamente organizado e funcional. Depois, à medida que novidades surgem, a síntese visual pode ser atualizada ou reformulada, até o momento em que analistas considerem ter conteúdo suficiente para disparar um alerta de "novidade à vista".
E como saber se esse momento chegou? Bem, há alguns critérios, ao menos quando o assunto é comportamento do consumidor. Primeiro, se mais de uma esfera da vida de clientes e prospects está sendo afetada por uma transformação, vale prestar a atenção. Segundo, se esse impacto parece profundo e permanente, também. E, finalmente, se o contingente de pessoas influenciado é significativo, ainda mais (para mais detalhes, ver Ofek & Wathieu, HBR Brasil, agosto 2010). Porém, lembremos: receitas de bolo são úteis para as rotinas de uma inteligência mercadológica, mas são justamente os movimentos que fogem à chamada normalidade os mais surpreendentes – como, por exemplo, aqueles situados em setores alheios ao da companhia. Além disso, sistematizar procedimentos pode ser uma forma de regularizar vieses – ou seja, padrões de crenças inconscientes que simplificam conclusões ou as conduzem rumo às convicções pré-concebidas do observador.
Em favor da procedimentalização está o fato de ser gerenciável e de estabelecer limites ao trabalho; deixados por conta própria, ficamos tentados a cavar sempre mais fundo, nem sempre com custo-benefício justificável. Ex-investigador corporativo que se tornou documentarista, Errol Morris lembra que, ao prestar serviço para empresas, "havia sempre alguém dizendo" quando parar. "Todo projeto tinha um fim claro. Quando se investiga por conta própria, é difícil decidir quando acabar" (entrevista à Lisa Burrel, HBR Brasil, setembro 2008). Ah, sim: e nada disso vale se não prevalecer a humildade – como bem pode testemunhar o serviço israelense, considerado o melhor do mundo até sucumbir "à arrogância e à suposição equivocada de que o Hamas era uma ameaça contida" (Folha de S. Paulo, 30/10/23).
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