O tempo e os ventos do mercado
A Airbus decidiu descontinuar a fabricação de seu superjumbo A380 (foto). Concebido em fins dos anos 1990 e em atividade desde 2007, o produto nasceu da aposta de que a demanda por voos internacionais iria se concentrar em grandes aeroportos e privilegiar aeronaves capazes de transportar a maior quantidade de passageiros possível em uma única viagem. Do desenvolvimento ao primeiro voo, passaram-se uns dez anos - tempo suficiente para que o produto entrasse em operação bem no início de uma crise econômica mundial (saiba mais aqui).
O caso ilustra a dificuldade de empresas que precisam fazer investimentos mirando o longo prazo tomando como referência realidades econômicas e mercadológicas que nem sempre se confirmam com o passar dos anos.
Exemplos próximos não nos faltam.
A Honda acaba de colocar em operação, no interior de São Paulo, uma fábrica que ficou pronta três anos atrás – e que desde então estava fechada, aguardando um melhor cenário econômico.
Um hospital particular de Porto Alegre fez pesados investimentos em sua área de oncologia – apenas para descobrir, com o tempo, que a demanda mais premente e rentável seria por leitos na maternidade.
Um shopping, também da capital gaúcha, construiu um novo edifício garagem, visando acabar com o estresse da busca por vagas em dias mais movimentados. Inaugurou-o bem na época que os apps de transporte ganhavam popularidade, tornando a construção, atualmente, ociosa.
Se algo pode ser aprendido dos casos acima é que convém: 1. dosar os riscos; e 2. ser pragmático.
1. A aposta da Airbus num avião para até 800 passageiros ocorreu concomitantemente à da Boeing em aviões de menor porte em relação ao europeu. Os norte-americanos acreditavam em um transporte mais pulverizado entre aeroportos menores e distâncias mais curtas. Certa ou errada em relação às suas premissas de meados dos anos 1990, o fato é que a Boeing esteve mais próxima de sua área de expertise, projetando aviões que eram evoluções dos atuais, e não um grande e complicado salto frente ao que já faziam, como ocorreu na Airbus. Além disso, a companhia de Seattle jogava com uma outra vantagem: nem ela nem seus potenciais clientes dependiam de terceiros. Poucos aeroportos tinham infraestrutura para receber um avião do porte do A380, outro óbice ao sucesso do projeto europeu.
2. Sobre o pragmatismo: a Honda teve a frieza de concluir uma fábrica novinha em folha e deixá-la fechada esperando momento melhor para colocá-la em funcionamento. Assumiu que a aposta na economia brasileira não se confirmou e achou melhor não incorrer em prejuízos ainda maiores caso a pusesse em operação.
No mais, é tentar fazer do limão uma limonada. Um circuito de kart ajuda a diminuir o prejuízo que o edifício garagem causa ao shopping – enquanto ao hospital resta torcer macabramente para que os casos de câncer aumentem vertiginosamente...
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Comentários: 2
Muito boa matéria.
É lógico e compreensível, que desde a primeira metade da década de 90, já se observava o avanço da telefonia e surgimento da internet com promessas de pesquisas para troca de dados e informações. Reuniões já acontecia por teleconferência, já sinalizando que as viagens de negócios, poderiam deixar de existir ou diminuírem sensivelmente. De tal maneira que as pessoas para fins comerciais, apresentações, estudos, consultorias, tratamentos e outras situações, deixariam de viajar por longas distâncias. O contexto indicava neste sentido e efetivamente se realizou.
Muito bom o texto.