Espelho, espelho nosso

Na metade desta década, quando o tempo fechou sobre a economia brasileira e todos olhavam para presidentes e CEOs à espera respostas, Guilherme Weege (foto) foi à procura de perguntas. Em 2011, Kaplan havia lançado What to ask the person in the mirro...
Espelho, espelho nosso

Na metade desta década, quando o tempo fechou sobre a economia brasileira e todos olhavam para presidentes e CEOs à espera respostas, Guilherme Weege (foto) foi à procura de perguntas. Em 2011, Kaplan havia lançado What to ask the person in the mirror para demonstrar que um líder precisa, antes de mais nada, conhecer as questões cruciais de seu negócio e reforçar valores. Administrador com especializações em Wharton e Insead, Weege conta nesta entrevista a AMANHÃ como passou pelo mais duro teste desde que assumiu, em 2007, o comando da empresa que seu avô e seu pai fundaram há 50 anos. Expõe, também, sua crença em sistemas colaborativos, fome de conhecimento – digeriu 13 livros nos primeiros dois meses do ano – e convicções que emergiram do espelho corporativo como “non-negotiables”.

Você se define como um empreendedor serial. Explique melhor este perfil. Um empreendedor serial consegue ter foco? 
O termo está sendo bastante utilizado ultimamente para descrever alguém que faz muitos negócios em sequência. Mas é um conceito muito mais voltado para o resultado. Mais do que realizador de negócios diferentes, acho que o empreendedor serial é caracterizado por ser inquieto, sempre se desenvolvendo e pensando em coisas diferentes. Nas empresas, fala-se muito em inovação e de como isso se traduz na perda de foco, mas quando você observar as metodologias… 

Há métodos para evitar dispersão?
Na realidade, a corporação tem de se transformar porque, com o método de gestão antigo, ela não consegue inovar na velocidade que o mercado demanda. Hoje, há várias formas de fazer, utilizando ferramentas ágeis e um método de gestão que te resguarda dessa perda de foco. Na verdade, você precisa ter a turma que olha o dia a dia e os projetos estratégicos da empresa; e, em separado, um time pensando em coisas novas, que não tem nenhuma atribuição de entrega de resultados diários. Em resumo: é ser inquieto, sempre pensando em coisas novas, mas com uma forma de execução que não prejudique o dia a dia.

Você se vê como alguém inquieto?
Não sei se inquieto, mas sou bastante sedento pelo novo, pelo conhecimento, por saber coisas novas. Aqui na empresa, estou com um desafio grande para uma nova estratégia da empresa e me debrucei na leitura. Li 13 livros sobre o tema só neste ano. Quem é inquieto não é necessariamente acelerado, mas tem a vontade de ter cada vez mais conhecimento. O que eu venho fazendo bastante esse ano é me manter lendo muito sobre alguns temas e conversando bastante com as pessoas para ter segurança….

Quais são estes novos temas que estão mobilizando sua atenção?
Método e modelo de gestão é um deles, mas no entorno você tem cultura, propósitos, inspiração de pessoas. Como fazer esses movimentos de transformação começando por gente? É por aí que tem de começar. Não adianta eu estar inspirado e com conhecimento e não conseguir movimentar a organização como um todo.

A Malwee foi fundada há 50 anos. Como você se compara, em perfil e em referências, com o fundador da empresa?
Olha, tem algumas coisas bastante similares e outras diferentes. Hoje, nesse mundo novo de startups, todos falam sobre métodos ágeis, que são três coisas que o pessoal coloca. Primeiro, ter a tecnologia impulsionando alguma ideia, fazendo uso de algum dado, de alguma informação para ter ideias. Segundo, ter o poder do networking, de  como os diferentes times se conversam e transformam isso em conhecimento. Terceiro, é ter o consumidor no centro: a startup surge para resolver algum problema da sociedade ou do consumidor com o uso da tecnologia. 

Em qual destes aspectos há semelhança entre quem fundou e o atual comando?
O foco no consumidor. Os fundadores, meu pai e meu avô, quando criaram a empresa, em 1968, também eram consumidores. Eles tinham uma loja de confecções e naquela época existiam poucas indústrias neste ramo. Eles sentiam as dores do comércio, de ter poucas opções de fornecedores de mercadoria. Havia então um problema de atraso nas entregas, de má qualidade... Pela escassez de indústrias, o lojista precisa mais dos fornecedores do que o contrário. Quando então eles fundaram a empresa, colocaram todos os pilares que eles queriam, e estes pilares fixados lá atrás existem até hoje: ter o consumidor no centro, ter credibilidade, garantir entregas no prazo, buscar qualidade superior... Tudo reflexo daquelas dores que sentíamos no início, como comerciantes de varejo, 50 anos atrás. E nisso, nesses princípios, há bastante similaridade entre o mundo atual, com foco no consumidor, e o que meu pai e meu avô fizeram na fundação da empresa.

E o que mudou no estilo de liderança?
Eu acho que a diferença na atualidade é o poder da colaboração. Eu assumi em 2007. Lá atrás, eu notava que todos olhavam para mim em busca de direção, esperando que eu dissesse para onde vamos. Era assim o modelo de gestão até ali. Naquela época, o padrão era este: ter líderes brilhantes que davam a direção e apontavam o caminho. 

O líder carismático?
Não só carismático, mas muito competente. Era algo do tipo “é pra cá que a gente vai”, e todos seguindo atrás, porque confiavam no líder e sabiam que aquele era o caminho correto a seguir. Eu não queria carregar o fardo de ter de ser brilhante na minha vida. Montei um nível de gestão, de liderança, de diretores e gestores para que sejam melhores do que eu em cada uma das pontas, de modo que tomemos as decisões em colegiado. O poder de decisão, atualmente, é muito mais descentralizado. Dificilmente eu tomo alguma decisão. O grupo toma essa decisão e vence quem tem o melhor argumento, dentro de uma visão de colaboração, envolvimento, credibilidade, transparência...

Sua gestão começou em 2007 e se beneficiou de uma forte expansão da economia no início desta década, mas em seguida enfrentou uma das mais severas recessões da história, em 2015 e 2016. Como foi esta transição? 
O ano de 2015 foi uma paulada para todos. O poder de compra caiu bruscamente. O medo assolou o consumidor e os donos das lojas acabaram freando as compras. Nos momentos de crise, a primeira coisa que acontece é a empresa passar por uma perda de credibilidade e perder talentos. Felizmente, naquela época não perdemos nenhum profissional da liderança. Aprendemos muita coisa naquela crise. Entendemos que nosso pilar estruturado em cima de pessoas deve ser cada vez mais valorizado. Poder ver as pessoas acordarem mais cedo, trabalharem mais e focarem ainda mais no negócio foi espetacular. Foi o que nos fez passar por aquela recessão.

No pior da crise, quando você percebeu insegurança e medo das equipes com a piora do cenário, qual foi a providência adotada na comunicação com os times?
Aumentamos ainda mais a nossa transparência. Tem um livro muito bom de um professor que tive em Boston, O que perguntar para pessoa do outro lado do espelho?, que fala basicamente da importância da missão, da visão da empresa, dos valores em especial e da necessidade cada vez mais latente da reforçar tudo isso em épocas de crise. Ou seja, no momento de crise é melhor se aproximar mais de teus funcionários, martelando ainda mais fortemente teus valores, tua missão, o porquê de estar ali…

Em resumo, nestas horas a reafirmação é importante.
Exatamente. Só que com uma frequência maior e uma proximidade também maior. Nos últimos dois anos, visitei mais clientes do que na soma de dez anos. O que eu fazia, de estar muito presente junto à diretoria e aos gestores, decidi ampliar. Comecei a criar grupos de conversa com quem estava abaixo. Ao invés de falar com 30 ou 40 pessoas com uma frequência maior, resolvi ampliar esse escopo, fazer grupos maiores. Nas reuniões para apresentar resultados, ao invés de chamar 30, vamos chamar 100 pessoas para participar, chegando em todos os níveis e dando uma clareza muito maior sobre a direção para a qual estamos indo. A comunicação frequente e próxima, no dia a dia, dá essa clareza de como estão as coisas e qual é o papel de cada um dentro da companhia, seja da costureira ou da vendedora de loja ao presidente da empresa. Ampliamos muito o diálogo naquele momento. E até mesmo canais de comunicação que não tínhamos antes foram criados e mantidos até hoje porque as pessoas querem ouvir informação e estar por dentro do que acontece.

Durante recessões, gestores tornam-se avessos ao risco, ou menos dispostos a ousadias. Como liderar neste momento um time que se torna mais pragmático e conservador, sem reduzir a chama inovadora? 
Em alguns momentos, é preciso ser pragmático. Volta-se ao foco e aposta-se menos. A questão é quanto tempo isso dura, é fazer esse período durar o mínimo possível. Em um momento de incerteza, você corta tudo. O Brasil ficou três, quatro anos em crise. Ainda agora... Apontava-se um provável crescimento de 3% do PIB e já se está revendo a estimativa para 2% ou até menos. É uma crise que ainda não acabou. Sobre a pergunta, o que fizemos dentro de casa, e fizemos bem, foi pensar o que eram tópicos não-negociáveis, aquilo que os americanos chamam de non-negotiables. O que é que não negociamos a curto prazo em detrimento do longo prazo? Quais são aqueles projetos que vão me sustentar no longo prazo e dos quais eu não abro mão? Posso cortar o meu salário, mas não corto esse projeto. As empresas precisam ter bastante clareza da importância disso. 

Esse é o cálculo estratégico em que não se pode falhar.
Exatamente. Não pode cortar tudo nos próximos dois ou três anos, sendo que nos próximos dez ou 20 vou ter dificuldade porque interrompi ações estratégicas por conta de dificuldades de curto prazo. Tem coisas que não deixamos de fazer, não trocamos por meta, bônus. Não são coisas que vão gerar resultado no dia a dia. Pelo contrário, são vistas como despesa, mas que irão fazer diferença no médio e longo prazos.

A Malwee não divulga faturamento, lucro, postura oposta à de empresas que têm ações em bolsa de valores, sujeitas à divulgação de resultados a cada trimestre. Esta cultura pode retardar ou impedir o ingresso da Malwee na bolsa?
Tem gente que é guiada pela, digamos, “ditadura dos resultados trimestrais”. Acho que é um mix de fatores que contribui para isso. De um lado, investidores com cabeça de longo ou curto prazo, e é preciso observar que, no caso de uma grande corporação, você não escolhe os investidores. Mas também tem muito da orientação que as companhias seguem em sua gestão. A Amazon, por exemplo, fala em todos seus relatórios que o foco da empresa é crescimento, não lucro. Magazine Luiza é outro case que também fala para os investidores que momentaneamente o foco não é lucro, mas sim fazer movimentos estratégicos. Tem outras companhias em que o rabo abana o cachorro, e aí você acaba tomando várias decisões de curto prazo. Então, creio que atrapalha quando se tem um grupo de investidores que observa o curto prazo mais do que o longo. Às vezes esse grupo acaba mudando o quadro executivo da empresa. São companhias que jogam muito mais na defesa e acabam em risco por não inovarem.

Sobre mercado de capitais: como isso entra hoje na visão da Malwee?
É um assunto sobre o qual não falamos, mas também não descartamos. Dentro do nosso rol de projetos a executar, não temos a necessidade de fazer um tipo de captação de recursos para financiar nosso crescimento. Então, não é algo que se tenha em mente hoje. No futuro, porque não? Desde que seja pelos motivos adequados, não simplesmente para ter mais liquidez em ações, por causa disso ou daquilo. Tem vários movimentos positivos de uma abertura, mas no dia em que se fizer isso, tem de ser pelos motivos adequados.

A empresa mantém o Parque Malwee, comparável em tamanho ao Parque Ibirapuera, e em seus relatórios costuma dar ênfase a sustentabilidade. O empresário brasileiro aprendeu a lidar de forma consequente com este conceito, ou ainda pratica greenwashing
Vejo hoje, entre os empresários, muito mais gente preocupada com refazer o seu propósito de negócio em bases mais sustentáveis, mas não tanto pelo pilar da responsabilidade social ou ambiental, como também deveria ser, e sim pelo pilar econômico da sustentabilidade. Por causa do fator gente. Hoje, em certas empresas a dificuldade para atrair esta turma nova que está ingressando no mercado de trabalho é enorme. São talentos que se apaixonam pelo propósito de uma empresa. Eu falava tempos atrás com um headhunter para preencher uma vaga de liderança e ele me dizia que é moleza atrair talentos para certas companhias que têm foco no social, nas pessoas... Já no caso de outras empresas, o headhunter têm de contar toda uma história para trazer gente boa e de talento para a organização. 

São estas empresas que estão mais desafiadas?
Sim. São estas que estão procurando mudar, olhar mais o social, ter atitudes sustentáveis, porque isso é o futuro. Quando se olha o mercado de capitais, e processos de valuation, fica evidente que 90% do valor de uma empresa está depositado no futuro. Por qualquer métrica que se vá seguir, o valor de uma empresa sempre deverá ser muito maior que a soma de seus ativos. A empresa nada mais é do que a somatória das pessoas que estão lá dentro. Essas pessoas é que vão realizar o futuro. Se você tem dificuldades de contratar ou manter os melhores talentos por falta de bons propósitos ou por não estar alinhado a um modelo de sustentabilidade, vai ter de se mexer e acelerar nesta direção. 

Muitas empresas mostram dificuldade para acelerar o passo. Em que estágio você acredita que esteja a indústria brasileira na capacidade de adequar suas plantas fabris em direção a uma produção mais limpa?
Tenho olhado pouco para fora nesse sentido. Mas, para nós, é um tema natural, e nem preciso dizer para os demais escalões da empresa que este é um princípio não-negociável. Quando vem a recomendação de uma máquina de tinturaria para ser comprada, diante de duas ou três opções com capacidade técnica parecida, várias vezes se compra a máquina 10% ou 20% mais cara simplesmente pelo fato de que consome menos água ou energia. Foi assim também quando decidimos adotar lâmpadas LED em toda a empresa. Não estava em nosso planejamento, naquele momento, mas resolvemos antecipar o investimento, e fizemos. É algo natural aqui, dentro de casa. Não precisamos ficar martelando neste tema. 

Inevitável considerar, no entanto, que há setores que recém estão se recompondo do impacto da crise e ainda operam com margens de lucro muito baixas, não?
De fato, esse ponto de não ter grana para investir é bastante relevante. Não sei qual vai ser o futuro de empresas que vem perdendo competitividade. Vejo gente nova surgindo e investindo em métodos alternativos de produção, mas também há setores que estão sendo sucateados, mesmo existindo maquinários mais eficientes no mercado. Aliás, a indústria brasileira de máquinas e equipamentos sofreu demais com a crise, mas conseguiu inovar. Antigamente, tínhamos de importar muito maquinário, mas a qualidade do que se tem hoje no Brasil melhorou demais. Fico impressionado com o que se está fazendo aqui no país: motores elétricos muito mais eficientes e com menor consumo de energia. Voltando à questão da falta de caixa para atualização tecnológica, acho que existem saídas. Há várias iniciativas acontecendo atualmente. Por exemplo, uma empresa financia, pega o maquinário antigo, troca pelo maquinário novo e fica com parte do ganho da geração. O que tem de se buscar é isso: ser criativo para não se deixar sucatear algumas empresas e setores.

O grupo Malwee afirma ter feito ao longo dos anos doações que chegam a R$ 200 milhões “sem incentivo ou contrapartida”. Essa visão de pensar e agir além dos interesses corporativos começa, enfim, a chegar a empresários brasileiros?
Eu acho que menos do que deveria. Muito menos do que deveria. Quando  falamos de R$ 200 milhões, é preciso esclarecer: doação mesmo, sem contrapartida ou incentivos. Recursos para hospitais, bombeiros, museus, educação... Infelizmente, acho que pouca gente faz isso, e vemos até empresas divulgando pagamento de salários como um valor entregue à sociedade... Sempre fizemos muito e falamos pouco, mas decidimos aumentar a comunicação disso para que seja um exemplo, uma empresa longeva e de sucesso que retorna para a sociedade na forma de doações. Tem muito disso nos Estados Unidos e em outros países: doenças sendo curadas com o dinheiro doado em vida por pessoas de grande fortuna. A boa notícia é que esta mentalidade começa a chegar aqui, a turma nova que está chegando para empreender tem isso muito na veia. Na semana passada, comprei participação numa empresa nova, uma startup, que traz essa questão do retorno das empresas à sociedade. É uma plataforma que vai viabilizar a doação das pessoas, seja de R$ 50 ou de R$ 1 milhão. E a quantidade de gente que está fazendo doações por essas plataformas é enorme. A molecada realmente está pensando muito nisso.

A Malwee não usa incentivos nem mesmo da Lei Rouanet, no caso de recursos para museus?
Não, não usamos.

Você está otimista com os aspectos gerais da economia do país a partir da chegada de um novo governo e um novo parlamento?
Otimista, sim, mas com muita dúvida. Dependemos de muitas coisas que não se tem certeza se sai ou se não sai. Uma dúvida é como o mercado vai ler o andamento da Reforma da Previdência, se vai projetar que não sai ou que atrasa... Acho que temos tudo para andar. Tem algumas preocupações no meio do caminho, reformas estruturantes para se fazer num momento em que o mundo começa a desacelerar em um ritmo mais forte. Tem essa guerra comercial entre China e Estados Unidos, tem a desaceleração da economia americana e principalmente da China... Quando o mundo desacelera, os preços de commodities caem. E o Brasil ainda é muito dependente de commodity, do agronegócio. Como país, tomamos uma invertida. Por outro lado, com o nível de empreendedorismo que existe hoje, se o governo conseguir facilitar a vida do empreendedor, de quem gera emprego, vamos avançar bem. Algo pelo que a gente briga muito é desregulamentação, deixar a vida do empreendedor mais fácil. A somatória das pequenas empresas é onde se gera emprego, e é precisamente onde tem de se tirar a burocracia.

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