Para acabar em pizza
Leio que São Paulo tem visto nascer pizzarias à moda norte-americana: sem talheres nem lugares para sentar, incentivam os clientes a consumirem o produto com as mãos, em pé ou caminhando pelas ruas (Folha de S. Paulo, 28 de março).
Uma aposta certeira em um país que vive macaqueando costumes dos Estados Unidos? Nem tanto. Poucas coisas definem tão bem um povo quanto seus hábitos alimentares – e poucos são tão difíceis de mudar.
Não fosse assim, as adaptações das multinacionais não seriam recorrentes, tanto na indústria quanto nos serviços.
Exemplos não faltam, inclusive no Brasil.
A fabricante italiana Barilla vende por aqui uma massa mais mole, para agradar ao paladar dos brasileiros, historicamente pouco acostumados com o grano duro.
A rede KFC teve de abandonar a ideia de servir frango frito em baldes, para ser comido com as mãos, optando por incluir o carro-chefe da rede em um PF com arroz, feijão e salada, para ser saboreado sentado e com talheres, à moda tradicional.
E a Pizza Hut também deu um passo atrás e fez sua famosa massa pan ser acompanhada por outra, mais fina, nos cardápios nacionais.
Por que tantas concessões? Clotaire Rapaille, estudioso do consumo, explica que cada nação enxerga produtos e serviços de uma forma, de acordo com sua história e geografia. Esta forma pode ser resumida em uma palavra ou expressão-chave, que ele chama de "código cultural".
Assim, norte-americanos valorizam o poder calórico dos alimentos, a capacidade que têm de prover energia para realizar as tarefas do dia a dia. Veem a comida como um combustível, na definição do pesquisador. Daí a importância de se alimentarem rápida e fartamente, como permitem suas onipresentes lanchonetes. Tal preferência não forjou apenas o fast food, mas toda a indústria da restauração no país. "Americanos esperam grandes porções mesmo nos restaurantes mais finos", resume Rapaille (The Culture Code, 2006, p. 147).
No caso brasileiro, duas coisas me chamam a atenção como observador diletante. Primeiro, a pouca presença de refeições monoalimentares. Exceção feita à pizza, normalmente o brasileiro espera que exista uma combinação de nutrientes diferentes num prato, tal como o clássico arroz com feijão, carne e salada. Ou qualquer outra que mais lhe apeteça, como as que oferecem os bufês.
Segundo, a recusa em comer com as mãos. Às vezes, só o fato de brasileiros usarem guardanapos para pegar um sanduíche já desperta atenção nos estrangeiros, que dispensam o papel e tocam diretamente as mãos no alimento. Por higiene - ou simplesmente para não ficar com os dedos engordurados -, brasileiros evitam tamanho despojamento.
Por isso, por mais trivial que pareça a notícia da abertura das pizzarias à la NYC em São Paulo, não subestime o desafio em vista: sentar à mesa (ou preferir ficar de pé) e empunhar talheres (ou dispensá-los) constitui um pouquinho de Brasil, iaiá.
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Comentários: 2
Realmente trata-se de um comentarista diletante, pois esse modelo de pizzaria já existia em Porto Alegre ma década de 1980.
Parabéns pelo artigo, André. Quando li o título, já estava tendendo para a crítica.
Acho ruim os restaurantes que servem só o filé, e os acompanhamentos eu preciso comprar separadamente. Acaba ficando mais cara a refeição.