Fora do mundo

Durante uma semana na África do Sul, resolvi que não abriria jornal de jeito nenhum, o que, tratando-se de mim, é uma façanha. Folgo em dizer que não foi proeza tão difícil. Tampouco liguei a televisão do hotel por uma vez sequer, um adereço que está...
Fora do mundo

Durante uma semana na África do Sul, resolvi que não abriria jornal de jeito nenhum, o que, tratando-se de mim, é uma façanha. Folgo em dizer que não foi proeza tão difícil. Tampouco liguei a televisão do hotel por uma vez sequer, um adereço que está cada vez mais fora de moda no mundo. No Facebook, postei uma dezena de minicrônicas sintéticas, que não tomassem mais que dez minutos para escrever. Só por gentileza para com meus leitores fiéis. No mais, acompanhei por cima, só por tópicos, uma viagem que Bolsonaro fez ao Japão – em que ele aparecia desembrulhando um hambúrguer num banquete –. umas sacudidelas que assolam o Líbano, outras que assolam o Chile e, por fim, as eleições argentinas, que já eram uma pedra cantada há bastante tempo. E acho que foi quase tudo.

De volta ao Brasil, estou espantado em constatar como a "detox" faz pouca diferença quando se trata de estar atualizado com o que o que rola no front noticioso, e como ela tem um efeito benéfico (aí sim, diferenciado) para o corpo e a mente. É como se a leitura das atualidades se transformasse em micro capítulos de uma novela de que não se quer perder uma só parte. Mas, a exemplo de qualquer novela, não há problema em pular episódios. Você pode passar um mês sem vê-la, mas quase sempre tudo se encaixa tão logo você sintonize um novo episódio. É claro que tudo o que não esteja em processo, pode causar surpresas. Cataclismos, acidentes e mortes súbitas vão sempre pontuar o lado surpreendente das manchetes, mas até desses teremos uma visão mais arejada alguns dias depois de transcorridos.

Sempre que me recupero de períodos estressantes à custa de uns dias fora de órbita (preciso fazer isso mais vezes), não posso deixar de lembrar o maravilhoso livro de Eça de Queirós, "A cidade e as Serras". Nele o Zé Fernandes vai visitar Jacinto de Tormes, um lusitano afrancesado que nutre certo desprezo por Portugal. Certa feita no aparatoso escritório, chega uma mensagem por telex. Um navio encalhara em Marselha. "O que tens a ver com isso? Acaso tens mercadoria na fragata?", pergunta o primeiro. Irritado com o provincianismo do serrano, Jacinto rebate que nada o atinge objetivamente naquele incidente. Mas teria sido uma lástima chegar aos cafés desmunido dessa informação. Isso porque se destacava quem fosse mais informado. O "eu não sei" ou o "eu não soube" estavam já então fora de cogitação. Como hoje.  

Ainda bem que Jacinto de Tormes viveu o bastante para entender o engodo daquela presunção. Seja como for, estou de volta ao front.    

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Quinta, 02 Mai 2024

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