Cinema é a maior diversão
Se há algo que lamento, é que tenha passado boa parte dos anos 1980-1990 razoavelmente distante das salas de cinema. Não que não as tenha frequentado de jeito nenhum, longe disso. Mas normalmente só acorria ao cinema quando se tratava de filmes ditos imperdíveis, numa época em que os estímulos não eram tantos a ponto de se ignorar a opção do momento. Seja como for, isso não estava em linha com o jovem cinéfilo que eu fora quando vivia no Recife, especialmente na adolescência. Boa parte dos cinemas do Centro ficava a 20 minutos de caminhada de minha casa, e não era rara a semana em que via até três filmes. Poucos instantes podiam ser tão mágicos quanto o da abertura das cortinas do lindo cinema São Luiz, na Rua da Aurora. Era hora de esquecer a vida e de me entregar à fantasia anunciada. Lá assisti desde às matinês de Tom & Jerry até os primeiros filmes para maiores de 14 anos.
Os anos 1980-1990, a seu turno, foram muito absorventes de trabalho, e a paz das salas de projeção me parecia descabida. Era tanta a adrenalina que me movia que aguentar 100 minutos de olho grudado na tela era uma opção que só se mantinha de pé em função do bom jantar que se seguiria. Foi só lá pelo ano 2000, quando já provara a mim mesmo boa parte daquilo a que me propusera, que voltei ao cinema com sofreguidão. Onde quer que tenha estado desde então, desde que o idioma não fosse grande barreira, acompanhei como pude o cinema do mundo. E reatei com a conclusão que servia de slogan ao Grupo Luiz Severiano Ribeiro, o mais importante de minha adolescência: "Cinema é a maior diversão". Assim sendo, poucos prazeres foram tão fecundos quanto as muitas horas que passei em pequenas salas da Kufürstendamm, em Berlim; no Boulevard Montparnasse, em Paris; na Leicester Square londrina ou nas salas de São Paulo.
Por que resolvi revolver as brasas desse tema? Primeiro porque a proximidade do Oscar mexe com minhas expectativas. Em segundo lugar porque tive duas experiências marcantes no último fim de semana. A primeira decorreu de ver "The Post", com Meryl Streep e Tom Hanks. Como comentou um amigo depois de assisti-lo, a vontade que teve foi de mandar o currículo para um jornal e tentar reatar com o ambiente das redações dos anos 1970. Não preciso dizer que o filme é magistral. O segundo, chamado "A forma da água" (foto), tinha todos os ingredientes para não me apetecer. No trailer, vira um bizarro monstro marinho de pele escamada e respiração de batráquio a se debater num tanque sombrio. Mas qual não foi a surpresa ao vencer a barreira e ali acompanhar uma bela história de amor, narrada com lirismo, tensão e inteligência. Sei que não tenho tempo físico para recuperar o tempo e ver tudo o que não vi. Mas o cinema chegou, por fim, para ficar.
E, mais do que nunca, me sinto reconciliado com a emoção única do escurinho das salas.
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