Casa nova
Não é incomum que um norte-americano médio viva em até cinco estados em seu tempo de vida. Meu amigo Bill nasceu na Virgínia, fez faculdade em New Jersey, foi trabalhar na Califórnia onde casou e, como a esposa era de Illinois, lá se foi ele criar a família perto de Chicago. Numa fase de semi-aposentadoria, vive hoje na Flórida, mas o sonho mesmo é dedicar-se ao golfe no Havaí. Perguntei-lhe certa vez sobre seus apegos aos lugares por onde passou e sobre o endereço que mais provoca nostalgia. A resposta foi a prevista: o passado, por definição, ficou para trás. Bill conseguiu tirar o melhor dos locais onde viveu. Se sente saudades de uma paisagem, é simples: viaja até lá com Jane e em dois dias a curiosidade estará saciada. "Nossas casas aqui não são feitas para durar. E isso tem uma razão de ser. Cada período da vida parece pedir um domicílio novo. Pelo menos foi assim no meu caso".
Escrevo isso a propósito do apego dos brasileiros às suas cidades de origem. Recentemente o dono de uma pizzaria de São Paulo soube que eu sou pernambucano. Não se fez de rogado para abrir o coração: "Sou de Canhotinho, perto de sua terra, a linda Garanhuns. Tempo desses comprei uma terrinha por lá. Estou plantando pimenta e feijão. Se Deus quiser, dentro de mais uns anos, volto para viver lá. Devo tudo a São Paulo, mas passo o dia acompanhando pelo celular cada garoinha que cai na região. Aqui só tenho o corpo e a família. Mas minha alma é agrestina". Prudente, ele disse que não pode esperar muito mais. "Se esperarmos que as crianças cresçam, elas criam vontade própria e aí não vão mais querer nos acompanhar. A hora talvez seja essa mesmo. Se souber de um comprador para meu ponto, pode avisar". Até o time dele refletia a filiação: "Sou Central, de Caruaru".
Em São Paulo, capital, me chama a atenção o amor das pessoas a seus bairros. Muitas vezes mudam de padrão de vida drasticamente, mas preferem continuar vivendo nos locais onde passaram a infância. De minha parte, em 37 anos vivendo aqui, morei em vários endereços: Vila Mariana, Itaim Bibi, Vila Olímpia, Perdizes, Pinheiros e Jardins. Como o americano Bill, acho que cada um correspondeu a um determinado momento de vida e houve intensa troca entre tempo e espaço. No domingo conversava com um amigo sobre imóveis. Ao me descrever o raio de busca da nova casa, dei-me conta de um fato inusitado. Na verdade, o mais longe que ele concebe viver do local onde passou a infância e adolescência, é a 1500 metros de raio. É mais ou menos a distância da casa atual para a antiga. Muda só o ponto cardeal. Sim, ele pode ir um pouco mais rumo ao Sul ou ao Oeste. Mas aí para a ousadia.
Gosto disso. Para um nômade inveterado, essa ancoragem é de fazer babar de inveja. Mas ninguém muda sua natureza por voluntarismo.
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