Marketing de mãos amarradas
Semana passada falei das origens históricas do preconceito contra o marketing, ao comentar um comercial de refrigerante que ironizava clichês das propagandas de bebidas (relembre aqui).
Hoje, falo um pouco de como o marketing é visto – ou de como passou a sê-lo – por uma categoria profissional que regulamenta bastante sua utilização entre seus integrantes, os advogados.
Em meados do ano passado, a OAB aprovou a utilização do chamado "marketing jurídico". Um avanço, segundo uma das conselheiras que participou das discussões, visto que até então "expressões como marketing jurídico e publicidade eram demonizadas na advocacia" (Valor Econômico, 18/09/21).
A entidade estabeleceu, contudo, que é necessário respeitar certos preceitos para praticá-lo. Anúncios não podem induzir a contratação de serviços nem estimular litígios; cabe à publicidade ser "sóbria, discreta e informativa". Publicidade que não pode ser veiculada em todos os meios de comunicação. Internet e mídia impressa estão liberados; rádio, TV e outdoors, não (vide resumo das normas aqui, mediante cadastro). Continua proibido falar em preço e condições de pagamento, distribuir brindes para não clientes e enviar mala direta para quem não a tenha solicitado.
Mas o que mais chama a atenção foram as orientações quanto a não permitir "a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo" (Folha de S. Paulo, 26/09/21). Aparentemente, a OAB quer evitar o surgimento de influenciadores digitais que se valham de apelos superficiais para angariar fama e, por conseguinte, clientes. Assim como fica vedado fornecer informações quanto "às dimensões, qualidades ou estrutura física do escritório", num sinal de que, para a Ordem, as instalações de uma sede não devem servir de indicador da qualidade dos serviços prestados, ao contrário do que a literatura em marketing de serviços prescreve.
Num primeiro momento, achei as normas da OAB um tanto quanto draconianas, repletas de proibições aparentemente sem sentido. E antipáticas, pois tratam o cidadão comum, potencial contratante de serviços advocatícios, como um sujeito hipossuficiente, incapaz de separar joio do trigo na hora de escolher um causídico.
Depois, pensando melhor, exceto por um aspecto ou outro passível de discussão, me pareceu uma tentativa sincera de a entidade fazer com que sua atividade profissional não seja promovida como um produto ou serviço inofensivo, que não possa vir a acarretar consequências danosas e duradouras a um cidadão desavisado. E de garantir que este, leigo, não se deixe levar por apelos fáceis tão comuns no mundinho das compras cotidianas, como brindes, aparências e preços. Proporcionar, tanto quanto possível, uma escolha menos poluída de distrações, em um recado de que a suposta capacidade natural de depuração do mercado é, no mínimo, questionável na visão da categoria.
Algo que nos provoca a pensar: e se outros tantos setores tivessem regulamentações parecidas? Será que não faríamos escolhas melhores como consumidores? Afinal, somos hipossuficientes de conhecimento não apenas em direito, como também em tecnologia, finanças e medicina, entre tantos assuntos. Será que, para todas estes ramos, limitar um pouquinho o espectro de ação do marketing não significaria empoderar o consumidor e equilibrar um pouco a relação de poder entre ele e as empresas?
Provavelmente, sim. Mas daí, paradoxalmente, acabaríamos precisando menos de...advogados.
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