Teatro: laboratório de líderes

Quando criança, a timidez me esmagava. Era torturante o contato humano e a mera aproximação de um grupo de gente já era bastante para me paralisar e levar a pensar sobre como agir, o que dizer e onde colocar as mãos. É claro que isso talvez não fosse...
Teatro: laboratório de líderes

Quando criança, a timidez me esmagava. Era torturante o contato humano e a mera aproximação de um grupo de gente já era bastante para me paralisar e levar a pensar sobre como agir, o que dizer e onde colocar as mãos. É claro que isso talvez não fosse característica exclusiva minha, pois tinha algo de geracional. Mesmo porque nasci numa época encavalada entre a observância a um padrão mais rígido e formal de tratamento interpessoal (alguns de meus primos pediam a benção de pais e tios, o que para mim era embaraçoso), e uma atitude que já refletia os ideais mais libertários da Tropicália. Segundo esses, no mínimo, era "proibido proibir". Se o convívio em boas escolas ajudou a regular um termo intermediário, certo é que continuei tímido, sem deixar tampouco que isso me levasse a paroxismos.

Essa situação certamente se arrastaria por mais alguns anos, com riscos de varar a vida adulta, não tivesse acontecido um evento alvissareiro em plena adolescência. Ora, sendo eu aluno da Aliança Francesa do Recife, instituição à qual era tão ou mais devotado do que ao Ginásio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco – sempre tido como um dos melhores do Brasil –, certo dia resolvi integrar o grupo de teatro que se reunia duas vezes por semana para ensaiar peças em francês. Ora, tal iniciativa não somente me deu mais segurança para falar a língua como também me levou à ribalta, diante de dezenas de olhares escrutinadores perante os quais me cabia fazer bela figura. Que desafio inimaginável até bem pouco antes. 

Foi assim que técnicas de respiração começaram a me dar a tão ansiada confiança. E não só elas. Apendi também a valorizar as palavras; a respeitar os intervalos entre as falas e a dar tempo para que a plateia absorvesse o alcance de uma cena cômica e gargalhasse. Nas mãos de uma direção bastante profissional, se impunha observar algumas regras: não podíamos voltar as costas para o público e convinha atentar para a importância de que, mesmo ungidos de papeis secundários, tínhamos que permanecer no personagem porque alguém da plateia estaria atento à nossa performance e coerência cênica. Éramos amadores, certamente. Mas não a ponto de ignorarmos os cânones básicos do ofício que passavam por pontualidade e respeito ao texto decorado. Ademais, se impunha prestar atenção às marcações de giz no chão e à necessidade sem trégua de internalizarmos o personagem para dotá-lo de vida, graça ou tônus. Era sim toda uma arte.   

Nesse contexto, ainda nos idos dos anos 1980, findo o período estudantil, vi que era comum que nossas empresas tivessem grupos permanentes de teatro amador. Esses mantinham as portas abertas para adesões de colaboradores e quase sempre tínhamos apresentações de fim de ano, muitas delas de bom nível. O que há de se deplorar hoje é que a digitalização da vida como um todo em nada contribui para que as experiências lúdicas aconteçam em palcos dessa natureza. As vivências contemporâneas estão mais ligadas a um certo voyeurismo que, mas do que nunca, alija o ator potencial do palco. Pois hoje se contentará em performar nas telas das redes sociais, e em seu grupo de amigos e familiares que comungam do mesmo aplicativo digital. Até no Youtube haverá o filtro da tecnologia e da edição, ambas estranhas ao bom teatro.   

Ora, em quaisquer latitudes onde se tenham de exercer atributos de liderança em que, entre outras, comunicar com suma clareza integra o pacote, escolas como o teatro são quase insubstituíveis em sua abrangência. Muitas vezes me pergunto o que teria sido de mim se, ensimesmado naquela timidez quase patológica, não tivesse um dia adquirido a confiança de que poderia mesmerizar um público atento cujos humores oscilariam na exata medida do que eu quisesse. A força do texto, somada à linguagem não verbal, de par com a emissão de cada sílaba na entonação certa, me valeram poderoso instrumento de negociação e integração com os povos mais variados da Terra. Para quem temia um simples aperto de mão, foi um progresso notável. Pois de repente falava para dezenas. 

Foi no teatro que apendi também a observar modulações e nuanças comportamentais que, mais tarde, se encaixariam no que considero meu principal vetor de aprendizado e contribuição à vida das empresas: as sutilezas da interculturalidade. Dou um exemplo: será que a gesticulação exacerbada comum às culturas mediterrâneas realça o poder da mensagem – conforme é sua intenção – aos olhos dos escandinavos? É claro que a resposta é um rotundo "não". Pois esses lídimos representantes das culturas reativas se sentiriam incomodados com ênfases excessivas e se ateriam mais ao mau gosto do gestual do que à essência da mensagem, o que poderia gerar um insanável distanciamento emocional, quando não uma primeira impressão negativa.    

Longe de nos valermos dessas habilidades adquiridas para manipular ou tergiversar, pois não funciona, a confiança adquirida torna mais efetiva a comunicação em todos os níveis. Para pessoas que, como eu, não nasceram com dons de prestidigitadores de multidões e mídias, o teatro foi insubstituível. Nesse contexto, não seria exagero dizer que o ocaso da presidente Dilma Vana – quer ela permaneça quer deixe de vez a frente do governo – em muito se deve ao fato de ser péssima comunicadora. É claro que mesmo que fosse excelente, isso não obliteraria a pobreza da gestão. Mesmo assim, se não a teria dotado de carisma ou similar, pelo menos lhe teria calibrado o trato interpessoal que sempre foi péssimo, até com os ministros da Casa.

Isso dito, recomendo às áreas de RH que se voltem para esse velho instrumento de autoconhecimento. O teatro vivifica a vida empresarial. Organizem grupos, convidem bons diretores para dirigir os trabalhos iniciais e vocês verão que, entre outros benefícios, vocês estarão subtraindo alguns minutos de sua força de trabalho do nefando celular para o qual muitos se voltam dezenas de vezes ao dia, entre o momento que deixam a cama até a hora que para ela voltam. Por fim, vale dizer que a atividade não fará de homens e mulheres seres dramáticos ou dotados de uma teatralidade fingida ou superficial. Resultará sim numa equipe mais integrada e ciosa de que as coisas podem, e devem, ser ditas com clareza e sinceridade de propósitos. Nessas horas, é o corpo todo fala.

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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