Irã: a face da vergonha

As pessoas precisam entender que os iranianos não são os aiatolás. Da mesma forma que o brasileiro médio não está personificado em Bolsonaro, nem o israelense pode ser avaliado por quem é e por como age Benjamin Natanhyahu. É rematado clichê dizer qu...
Irã: a face da vergonha

As pessoas precisam entender que os iranianos não são os aiatolás. Da mesma forma que o brasileiro médio não está personificado em Bolsonaro, nem o israelense pode ser avaliado por quem é e por como age Benjamin Natanhyahu. É rematado clichê dizer que não se julga o cristianismo pelos inquisidores, assim como os alemães não se confundem sustentadamente com os nazistas de meados do século passado. Isso dito, passa da hora de mobilizarmos coração e mente pelo bem do povo do Irã. E tanto melhor que isso passe pelo fim da teocracia, uma persistente e duradoura anomalia que castiga o país há décadas, mais precisamente desde quando o aiatolá Khomeini voltou do exílio nos anos 1970. E por que torcer pelos iranianos das ruas? 

Pois bem, para mim conta muito que os persas sejam intelectualmente muito bem preparados, destacando-se como negociadores pacientes e argutos. De mais, é a gente mais hospitaleira de que se tem notícia. Donos do ditado "um hóspede é um presente de Deus", zelar pelo visitante é ponto de honra em cada lar. Há de entender-se também que tudo o que está acontecendo no rescaldo do malogrado míssil que derrubou o avião ucraniano se prende a uma segunda característica do povo milenar: o orgulho nacional. Nacionalistas empedernidos, saber que um dos seus soldados alvejou um jato em que se encontravam dezenas de seus patrícios, alguns de alto gabarito intelectual, derrubou o moral das ruas a níveis poucas vezes visto. Ter vergonha é um traço que muitas vezes dignifica.

E por que de repente nos pegamos a falar sobre o vigor da língua persa, sobre a beleza de suas cidades, sobre a singularidade de suas manifestações artísticas e culinárias? Tudo começou na primeira semana deste 2020, logo no alvorecer do ano, quando os EUA alvejaram e mataram o general Soleimani - que podia ser visto como um herói internamente, muito embora essa qualificação estivesse longe de ser consensual. Afinal, sendo ele o braço armado do regime, como não deplorar que a violência seja a única alternativa apontada para a resolução de problemas internos endêmicos, que demandam há tempo providências que aliviem-no do boicote? Mesmo assim, as exéquias do militar foram imensas e por um momento o Irã pareceu ao mundo unificado.  

Mas numa prova de que a volatilidade da região é imensa e de que a labilidade do regime desafia o barômetro de qualquer cientista político, eis que a tentativa de retaliação da escalada às bases americanas no Iraque levou ao ataque ao Boeing. Ora, onde se viu um espaço aéreo conflagrado por misseis não ser interditado pela parte belicosa - quando isso está a seu alcance? Dez dias transcorridos dos fatos que incendiaram o país, eis que ninguém mais fala (bem) de Suleimani, suas fotos são arrancadas das paredes e as mulheres estão bradando pela renúncia de ninguém menos do que aiatolá supremo Ali Khamenei. Quem disser que sabe o que vai acontecer, não conhece o Irã. Mas torçamos pela inserção desse grande povo no mundo. Só temos a ganhar. 

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Quinta, 18 Abril 2024

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