A Disneylândia onde Mickey bebe vinho

Como veterano de visitas à França, considero que tudo o que aqui aconteceu nos anos 1970-1980 me diz respeito. Digamos que isso decorra de afinidade afetiva. Já a partir da década seguinte, os referenciais de mundo se multiplicaram exponencialmente e...
A Disneylândia onde Mickey bebe vinho

Como veterano de visitas à França, considero que tudo o que aqui aconteceu nos anos 1970-1980 me diz respeito. Digamos que isso decorra de afinidade afetiva. Já a partir da década seguinte, os referenciais de mundo se multiplicaram exponencialmente e foi então que se fechou uma janela de curiosidade para com os desdobramentos mais contemporâneos de Paris e arredores. Nesse contexto, tendo lá estado centenas de vezes em 44 anos de viagens continuadas, só fui uma única vez a La Défense, para uma reunião de trabalho. Por que reafirmo isso? Ora, quando se começou a falar de uma Disneylândia na França, minha reação foi a de muita gente por aqui. Por que não um parque temático de Asterix? Será que os franceses se adaptarão ao código rígido de um entretenimento que, na verdade, nada tem de fortuito? Não haveria um choque inevitável de culturas? Efetivamente, parece que não estava de todo errado. 

Digo-o porque me diverti com alguns artigos publicados sobre os primeiros anos do empreendimento que veio à luz em 1992. Os sindicatos franceses – quem mais? – começaram a bufar, revoltados com o constrangimento a que se submetiam empregados para se manterem fiéis aos códigos vigentes. Ora, Mickey tinha de estar o tempo todo de bom humor, pronto para receber crianças, tirar fotos e saltitar como se estivesse em êxtase. Mas, diziam os ativistas, não seria uma violência forçar um funcionário a afetar essa conduta "débil", não estando ele num bom dia? Não será que se poderia inventar um Mickey mais sóbrio, mais conforme os cânones de um povo que não se notabiliza pelo humor exuberante?  Os embates interculturais não ficaram por aqui. Logo se seguiria outro sobre o gosto local pelo vinho. Ora, a cultura Disney não consagra bebidas alcoólicas. Mas abriu-se uma pragmática exceção nos restaurantes.  

Certo é que a atração localizada em Marne-la-Vallée, onde nunca me passou sequer vagamente pela cabeça botar os pés, é visitada anualmente por 15 milhões de pessoas. Trata-se do maior imã turístico individual da Europa. E pensar que a França quase perdeu a primazia desse investimento para Barcelona. Como diz um gestor, a Disneylândia atrai mais visitantes do que a catedral de Notre Dame. Ou, para nos atermos aos principais pontos de visitação parisienses, equivale à soma de todos os turistas que acorrem ao Museu do Louvre ou à Torre Eiffel. Assombroso. Se a Airbus emprega 15 mil assalariados, o parque multiplica essas cifras por quatro. São 320 milhões de pessoas que o visitaram nesse quarto de século ou 80 bilhões de euros de faturamento – mais de 6% das receitas francesas no turismo.  

Nessa ciência divertida de cruzar dados e tentar entendê-los, uma informação me desconcerta: 52% dos visitantes da Disney esnobam Paris e não põem os pés na capital, muito embora apenas 25 quilômetros separem o parque da Torre Eiffel. Apesar de tantos trunfos, a parceria público-privada não chega a ser um mar de rosas sob o ponto de vista financeiro. As pesadas despesas de infraestrutura de par com o pagamento de royalties à matriz faz com que os resultados na Bolsa tenham sempre sido medíocres. Embora nunca tenha conhecido uma família sequer que tenha vindo a Paris para visitar estritamente a Eurodisney, é forçoso reconhecer que no mundo do turismo, o rio sempre corre para o mar. Ignoro os números da Disneylândia dos arredores de Tóquio, mas sei que Mickey por lá também faz sucesso. Seja como for, velhos lobos de minha geração não sucumbirão jamais à tentação da visita.

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Sábado, 14 Dezembro 2024

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