Fechar por cima

De todos os elogios que recebeu ao longo da vida, Pelé talvez nem valorize um, em especial, relacionado justamente ao fim de sua carreira profissional: a de tê-la encerrado "por cima". Quando parou de jogar, em 1974, o Rei evidentemente não estava no...
Fechar por cima

De todos os elogios que recebeu ao longo da vida, Pelé talvez nem valorize um, em especial, relacionado justamente ao fim de sua carreira profissional: a de tê-la encerrado "por cima". Quando parou de jogar, em 1974, o Rei evidentemente não estava no auge, mas ainda praticava um futebol acima da média. Ao retirar-se dos gramados àquela altura, evitou longo e penoso declínio que inevitavelmente macularia a imagem de gênio que cultivara desde os 18 anos. Muito em função desse exemplo, "sair por cima" virou uma expressão corriqueira para definir aqueles que abandonam uma atividade sem se expor à decadência – e, com isso, conservam aos olhos da multidão a aparência de eterno apogeu.

Negócios não têm necessariamente uma vida útil pré-definida, ao contrário das pessoas, mas, hora ou outra, também são obrigados a sair de cena. Saber o momento de fazê-lo conservando a dignidade é tarefa que exige autocrítica e bom senso, e pode ser motivo para uma última estrelinha no boletim de um empreendedor. Dois casos na região Sul ilustram bem essa situação.

Quase centenária, a loja de calçados Botinha da Zona, no bairro Azenha, fechará as portas no fim deste mês. O motivo? A combinação da aposentadoria do proprietário com o desinteresse da filha em assumir as rédeas do estabelecimento, somados a negociações infrutíferas com interessados no ponto de venda. Mas o proprietário guarda um último orgulho ao se despedir do comércio que comandou por 65 anos. “Escolhi sair por cima, sem dever um centavo para ninguém: para funcionário, fornecedor ou para o poder público. Só devo agradecimentos, para Deus e meus clientes (matéria completa aqui)”, declarou. 

Achou bonito? Então veja este outro caso. Durante 33 anos, a De Bem foi uma das mais conhecidas lojas de suprimentos de informática de Porto Alegre. Em fevereiro deste ano, baixou as cortinas em definitivo, não sem antes postar um recado em seu site. “Completamos alguns anos sem lucro na operação. E os sócios [...] cobriram, com capital particular, todas as faltas de caixa. Importante: a De Bem Informática SEMPRE pagou em dia suas contas (...). (V)amos encerrar (...) com DIGNIDADE (maiúsculas originais)". Leia a mensagem completa aqui

Se montar um negócio no Brasil já tem ares de heroísmo, fazê-lo sobreviver às intempéries políticas e econômicas, ainda mais. Só que a vida empresarial do país é pródiga em exemplos de quem soube erguer e manter empreendimentos sólidos, mas não encerrá-los, deixando um rastro de dívidas e problemas com tudo e com todos – vide os casos recentes da Avianca e da Editora Abril. Não é pequeno o mérito de saber reconhecer que um ciclo chegou ao fim e, com serenidade, pendurar as chuteiras. Fazem bem os donos da De Bem e da Botinha em mencionar a ausência de dívidas e a dignidade com que encerram suas atividades. Poucos neste país podem se gabar do mesmo.

Sair por cima – ou "fechar por cima" – é mesmo coisa de Rei.

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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