Moro: programas de integridade nas empresas têm de ser "para valer"
O juiz federal Sérgio Moro participou do evento de premiação das 500 Maiores do Sul, na manhã desta quarta-feira (22), em Curitiba. Para uma plateia de empresários, lideranças e autoridades, Moro falou sobre como as empresas precisam ser protagonistas em um momento de combate contra a corrupção sistêmica no Brasil.
Após parabenizar companhias presentes no ranking – que colheram bons resultados em um ano difícil, Moro lembrou dos aprendizados que os períodos difíceis trazem: “Recessão sempre é muito ruim para as pessoas e empresas. Mas é muito bom conseguir sair dela”.
Ao comentar a investigação da Petrobras, e seus desdobramentos na chamada Operação Lava-Jato, Moro fez referência ao conceito de State Capture – a captura do estado para fins privados.Segundo o juiz, a investigação da estatal mostrou não apenas um, ou alguns, casos de corrupção – mas que esta havia se tornado uma prática sistemática. “Os números são superlativos, e o balanço da própria Petrobras reconheceu perdas da ordem de 6 bilhões de reais em custos direto com a corrupção. Temos quatro ex-diretores da Petrobras cumprindo penas, dois deles em condições mais favoráveis, por terem ajudado com informações. Apenas um gerente devolveu 98 milhões de dólares, em contas no exterior. E, ontem mesmo o TRF4 confirmou a condenação do ex-presidente da Câmara.”, lembrou Moro.
Outro aspecto abordado por Moro foi como a corrupção compromete a livre concorrência e própria saúde do ambiente no qual as empresas operam. As investigações apontaram como acordos prévios entre empresas na participação de projetos que inviabilizam o livre mercado, com prejuízos diretos ao erário público.
“A questão é não apenas constatar esses problemas, mas saber como superar esse ambiente de corrupção disseminada”, explicou o juiz. E, para ele, parte da solução se encontra no mundo das empresas. “Costumamos identificar a corrupção como um problema exclusivo do setor público, mas ela envolve quem paga e quem recebe. Há situações nas quais empresários são vítimas extorquidas, mas nos casos julgados até o momento não foi reconhecida nenhuma extorsão. Em geral se fala que ‘pagavam porque era a regra do jogo’, pois era algo normal, e não extraordinário” explicou o juiz, antes de apontar como as empresas devem conduzir suas operações.
“As empresas têm um grande papel. Em primeiro lugar: não pagar propina”, orientou Moro, que chegou a pedir desculpas por falar algo tão óbvio. “Se houver extorsão, este é um momento oportuno para que as empresas procurem as autoridades públicas para denunciar os fatos”, explicou.
Compliance de verdade – e não “para inglês ver”
O juiz federal salientou que é importante não apenas assumir a postura de negação aos esquemas de corrupção, mas desenvolver nos âmbitos das empresas políticas coorporativas de integridades, principalmente pelos sistemas de compliance. Mas é preciso que estes sejam reais, e não apenas como as leis “para inglês ver”. “Deve haver um comprometimento dos dirigentes da empresa. Não adianta pedir integridade dos funcionários, se ele está envolvido em esquemas corruptos. Há um ditado: o peixe começa a apodrecer a partir da cabeça”, lembrou Moro, para aplausos dos presentes.
Dois grandes grupos, fornecedores da Petrobras, após as denúncias, publicaram anúncios negando as acusações e acusando as autoridades de perseguição. Nos conteúdos publicados, as empresas alegavam possuir políticas de compliance e integridade pautadas por valores éticos. Dois anos após a publicação desses anúncios, os dois grupos fizeram acordo de leniência com o Ministério Público, reconhecendo seus delitos e responsabilidades, comprometendo-se a colaborar com as investigações. “São exemplos de como os sistemas de compliance podem não servir para nada”, comentou o juiz, que emendou. “Já a postura atual das empresas, essa é louvável. Precisamos odiar o pecado, e não o pecador”, explicou Moro, para quem é preciso dar oportunidade de redenção aos infratores.
Citando o exemplo da Sicília, região italiana tradicionalmente dominada pelo crime organizado, Moro contou a história do pequeno empresário do ramo têxtil, Libero Grassi. Os empresários eram submetidos às extorsões da máfia local, e no início da década de 1990, Grassi publicou uma carta no jornal da região, recusando publicamente a efetuar o pagamento. Grassi tornou-se uma espécie de celebridade e herói nacional, mas, após o entusiasmo inicial, passou a sofrer juízos de censura, inclusive por parte de seus colegas empresários – que alegavam que as questões não deveriam vir a público. O empresáriofoi assassinado em 1991, o que motivou a criação de associações empresariais focadas na recusa de pagamento à máfia.
“Isso vale para o Brasil. O povo que paga propina não tem dignidade. Vemos como pessoas podem se levantar e se colocar contra esses esquemas, influenciando seus pares a agir publicamente, recusando ingressar nesses esquemas criminosos”, comparou Moro. “O ambiente limpo de negócios é bom para a produtividade, para os lucros e para todos nós”. Segundo o juiz, o quadro de corrupção sistêmica afeta a nossa própria autoestima, colocando em xeque a democracia. “As pessoas que, equivocadamente, encontram-se saudosas do período militar – uma época de repressão das liberdades individuais –, veem que seus representantes eleitos agem em benefício privado , e não público, o que afeta sua confiança na lei e na democracia”.
Por isso, conforme Moro, o mundo empresarial tem papel extremamente importante, podendo fazer a diferença, independente de o governo estar sensível aos problemas. Já no âmbito político, Moro indica que o meio judiciário precisa ser mais efetivo. “Impunidade e corrupção sistêmica caminham juntas. As pessoas precisam ser punidas e afastadas dos meios públicos ou empresariais”. O juiz lembra, porém, que o processo judicial é uma condição necessária, mas não suficiente para superar a corrupção sistêmica. Segundo o magistrado, são necessárias reformas gerais e mais profundas, que diminuam os incentivos e oportunidades à prática da corrupção. O benefício do foro privilegiado, e a imunidade parlamentar, por exemplo, funcionam, na prática, como blindagem contra a efetiva responsabilização.
Da mesma forma, é preciso combater o loteamento político dos cargos públicos, na divisão de diretorias em zonas de influência partidárias. “Essa prática permanece nas diversas esferas da administração pública federal, mesmo após as investigações”, aponta o juiz. “Isso precisa ser diminuído. Claro que o governante deve ter liberdade para indicar alguns cargos, mas não nesse nível, no qual repartições de menor importância são objetos de mercancia entre agentes e partidos políticos”, protestou.
“Não é só estabilidade da economia, nem retomada do crescimento. Existem outros objetivos a serem perseguidos por nossas lideranças políticas. Um deles é o enfrentamento da corrupção sistêmica. Espero que isso seja um tema relevante nos debates políticos do próximo ano”, projetou Moro. Para finalizar sua fala, aos dirigentes, o juiz sugeriu: “Usem sua influência, não só a econômica, mas na formação da opinião pública e junto às nossas lideranças. Vocês têm um papel importante a representar nesse tema”, salientou.
O evento de premiação das 500 MAIORES DO SUL acontece na ExpoUnimed, em Curitiba, O ranking é produzido anualmente pela Revista AMANHÃ, em parceria com a consultoria PwC.
Veja mais notícias sobre Gestão.
Comentários: