Líder pelo consenso
Poucos dias antes do trauma de perder o pai, Raul Randon, o presidente das Empresas Randon, David Randon (foto), estava feliz. Divulgara os bons resultados obtidos pelo grupo e aceitava o convite de AMANHÃ para narrar como se deu esse processo de superação, que envolveu o comprometimento de seu time de executivos, a colaboração direta de seu irmão, Daniel Randon, e o papel de seu Raul como oráculo e “grande marqueteiro”. A morte, aos 88 anos, do líder carismático que fundou a Randon ao lado do irmão, Hercílio, torna ainda mais relevante o estilo de comando seguido por David, e que se baseia em virar-se para o mercado, uma lição deixada pelo pai, e a busca obsessiva pelo consenso nas decisões – característica do filho.
Como mudar a rota de um transatlântico como o Grupo Randon em meio à crise generalizada no mercado e no país?
Há três anos, na época das eleições, notamos no horizonte que alguns fatos estavam acontecendo e que a coisa não seria fácil. No final de 2013, o mercado estava em alta, vendendo bem, uma maravilha. Porém, no meio de 2014, antes das eleições, sentimos que alguma coisa iria acontecer. Com a reeleição de Dilma ou não, o mercado iria mudar. Sabíamos que era insustentável o que havia acontecido em 2012, 2013 e na entrada de 2014. Já sentíamos, principalmente na área comercial, dificuldade com o cliente. Então nos preparamos: o que fazer em um planejamento para antever alguma coisa? Primeiramente, o trabalho foi começar a reduzir despesas. Segundo, pelas dificuldades no passado. Eu era bem jovem na época, 1982, quando entramos em concordata por um simples motivo: falta de caixa. Tínhamos capital e patrimônio, mas não tínhamos dinheiro. Então, antevendo 2014, fomos aos bancos, que estavam dando bastante crédito e mesmo sem necessitar, buscamos dinheiro. Proporcionalmente ao que a Randon fazia na época, captamos muito mais dinheiro que o necessário. A ideia era: vamos ficar fortes e tentar alongar a dívida ao máximo. Por um lado, nós tínhamos dívida; por outro, dinheiro aplicado. No final de 2014, a dívida era grande, mais de R$ 1 bilhão. Estávamos alavancados pelos grandes investimentos que tínhamos feito. A preocupação era o que fazer diante da queda do mercado. Em 2015, notamos que as áreas comerciais começaram o processo de perda de clientes. Aí passamos a trabalhar internamente e fomos por dois caminhos: primeiro, capitalizar e obter caixa. A principal meta era obter caixa, sem se preocupar em vender com uma margem menor, mas fazer com que entrasse dinheiro.
Vender mesmo sacrificando uma parte das margens...
Exato, porque nossa empresa precisava de escala e volume. E nesse meio tempo, fazer o trabalho interno em duas frentes – hoje é fácil falar, mas imagina o quanto nos organizamos para chegar nisso. Primeiro, começamos a trabalhar em nível de custos, que não se limitam a pessoas: custos também na área de produtividade, na área de novos materiais e fazer uma reengenharia dos produtos. No momento em que começou a crise, o mercado não pagava o preço que queríamos. Fizemos uma reengenharia interna, principalmente na área de processos, novos materiais, produtos novos. Ali começou um trabalho que levou quase um ano e meio até fazermos novos lançamentos, em 2016. E também era preciso fechar a torneira de gastos. Olhamos a área de recursos humanos, a área de viagens, departamentos que não eram necessários foram fechados... Começamos o trabalho de dar férias coletivas para as pessoas, depois férias individuais, tentar deixar a espinha dorsal da equipe, que era muito importante. E fechamos a porta de entrada, já que sempre há um turnover nas grandes empresas, de pessoas que entram e que saem. Fechamos a entrada, mas deixamos aberto o fluxo normal de pessoas que saem. Notamos que, a cada mês, o número de pessoas diminuía nas empresas.
As demissões somente ocorreram somente depois da revisão do número de departamentos?
Começamos por cortar hora extra, diminuir um dia por semana das jornadas de trabalho, depois férias… esgotamos tudo antes das demissões. Esse procedimento durou mais de um ano e custou muito caro para a empresa, porém, socialmente, foi o correto. Os cortes se deram também na parte de tecnologia e processos internos. Fizemos melhorias e corte de custos nos processos, novos materiais e composições de produtos. E fomos com muita força, diretamente, nos clientes. Eu me envolvi bastante nisso. Para ter uma ideia, entre a metade de 2015 e 2016, visitei mais de mil clientes. Dentro da nossa rede de concessionários, nós fazíamos o trabalho de chamar grupos de 60 a 70 clientes. Nós fizemos durante todo o ano de 2015, uma parte de 2016 e ainda continuamos em 2017. Em todo o Brasil e até no exterior. Trabalhamos mais próximo do cliente, mostrando o que nós estávamos fazendo internamente.
Era importante o CEO estar nessas reuniões?
Eu e a diretoria. Todos nós fomos. Foi um pedido meu, dizendo que “em crise, não se fica em casa”. Em crise, se faz o trabalho interno, mas tem que ir lá fora para buscar o cliente. Esse foi o trabalho que fizemos: mostrar que estávamos evoluindo, melhorando e dando credibilidade à nossa marca perante o cliente. Numa crise, todo mundo começa a falar mal de todo mundo, então o trabalho foi ir aos clientes, mostrar a cara. Nas unidades de autopeças foi mais tranquilo porque ali entra reposição e não houve uma crise tão grande quanto na área de montadoras e de implementos. Na área de reposição, tivemos trabalho mais interno, de redução de custos e melhoria de produtos, até a racionalização de processos, o que ajudou a montadora. Começamos a trabalhar forte na área de reposição não só no Brasil, mas também fora, em toda a América do Sul. Nos Estados Unidos, onde a Fras-le vende, temos uma joint venture e também uma fábrica. Na Ásia, temos uma unidade da na China, pequena, mas que produz e vende naquela região, até exportando para Europa algumas coisas da Fras-le. No caso da Randon Implementos, fomos para outros países, mas a América do Sul estava em crise também – não era só o Brasil. Também conseguimos centralizar a parte de compras de todas as empresas, o que trouxe um grande ganho. O pedido de compra parte da unidade, mas quem faz todo o trabalho é essa central de compras que tem expertise, que tem um diretor e que cuida com seus gerentes da área de serviços, da área de materiais de classe A e B e dos materiais C e D. Departamentalizou um pouquinho, mas conseguimos racionalizar.
Como fazer todos os ajustes, duros e necessários, e ao mesmo tempo manter a moral das pessoas?
Isso foi o pior de tudo. Nesses três anos de processo, havia um grupo de pessoas que estavam se aposentando, e os jovens de baixo que estavam crescendo. Mas teve também a motivação. Onde tem crise, as pessoas se unem mais. Não vou explicar, porque não sei, mas é o que vi acontecer em todas as crises. Esse é o primeiro ponto. Outra coisa é que foi feito um trabalho interno muito grande, com consultoria, para haver uma mudança. Na área estrutural, tínhamos dois grandes negócios, e uma única pessoa tocava. Então dividimos o comando, um para a área de montadora e outro para a de autopeças. Depois disso, passamos a trabalhar internamente com compliance, governança, ética. Isso ajudou bastante também para a equipe. Começamos a gerir melhor a comunicação. O pessoal de dentro de fábrica ficou sabendo, no detalhe, de tudo o que se fazia de planejamento, tudo o que se fez de transformação dentro das empresas. Os funcionários têm que saber no detalhe para onde vamos, e como passar dessa crise. Tudo isso foi feito internamente com as equipes de trabalho para que as pessoas pudessem ouvir e participar dessas mudanças.
Nessa estratégia de comunicação, eles ouviam a voz do presidente?
A diretoria, junto com a gerência e coordenadores, os líderes de cada setor, fazia esse tipo de comunicação. É muita gente, não tem como eu fazer isso sozinho. Quando é uma unidade pequenininha, é mais fácil. Quando é uma unidade muito grande, como a Fras-le, com quase 3 mil pessoas, ou a Randon, com 2,5 mil, a coisa fica difícil. É preciso passar a liderança para que eles possam cumprir essa missão.
Como lidar com o funcionário mais antigo e que encara regras de compliance como sinal de que a empresa já não está confiando nele?
Chegaram a questionar isso, e nós demonstramos que não era essa a realidade, e sim o contrário. Hoje tudo mudou. Não por causa da Lava-Jato, mas o Brasil mudou, o mundo mudou. A Randon hoje é uma companhia de capital aberto, tem todo um processo nesse aspecto que é até uma proteção para o próprio funcionário. Até porque ele vai estar apto a saber quais são as regras da empresa, vai saber o que é certo e o que é errado. Ele vai estar protegido, principalmente daquele que tenha a má intenção de fazer algo errado para a empresa. Eu, como presidente, não tenho todo o conhecimento dos processos no dia a dia. Se uma pessoa fizer errado um processo desses, ou eticamente não for correto, quem responde é a diretoria e o presidente, automaticamente. Este regramento é muito importante, porque ajuda não só a cúpula, mas as pessoas que estão tocando o negócio no dia a dia. Ao assinar um documento e se responsabilizar, elas ficam sabendo que o problema de um é de todos, não só do presidente ou do diretor.
As empresas tendem a se comportar como feudos. Como explicar que mudanças não levam a perda de poder?
Foi uma luta implantar um centro de serviços compartilhados, porque se retirou toda parte contábil, tributária, de cada unidade, e isso era poder que as pessoas deste ou daquele setor tinham. Mas era muito necessário termos tudo em um local centralizado, onde todos tem que seguir os mesmos padrões. Tudo isso veio de 2014 em diante, quando pensamos: como passar por essa crise sem perder a essência do negócio e economizar o máximo possível? Eu sempre passo a seguinte mensagem: “Pessoal, imaginem que vocês estão no barco e todo mundo tem que remar para não deixar afundar. Temos que nos unir, trabalhar para fazer isso funcionar”. Essa ideia foi trabalhada bastante, muito discutida, teve pessoas até se irritando. Mas é normal, tem que ter paciência — e eu tenho muita. Há reclamações de um, algum ciúme de outro, coisas particulares de cada um. No fim, se vira mais um psicólogo que um CEO.
E o desafio de passar confiança no negócio e senso de propósito para todos?
Sempre digo que não sou presidente. Eu estou presidente. Meu pai era presidente, detinha a maioria das ações, mandava e comandava. No momento em que eu sou eleito presidente, eu já divido o poder com meus irmãos acionistas. Eu não sou o controlador, sou um acionista responsável, em nome dos irmãos sócios e também dos acionistas minoritários, e isso é temporário. Isso é estar presidente, não é ser presidente. É diferente. Com essa troca, eu tinha um propósito. Saía da presidência uma pessoa que iniciou o negócio e que tem características muito fortes, o seu Raul Randon, que é um líder, com todo o seu conhecimento, arrojo e o seu carisma. Meu papel como presidente era tentar fazer a empresa ainda mais profissional e menos familiar. Quando eu assumi isso, em 2009, ficou muito claro para os meus irmãos e para o conselho – foram eles que me deram a aceitação. Naquele momento, fiz um acordo com meus irmãos de que eu assumiria com algumas mudanças, e eles aceitaram, porque o meu perfil não é o do líder que manda e os outros obedecem. Meu perfil é diferente: eu sento à mesa, discuto até a exaustão com minha diretoria. Não sou a pessoa que diz ‘faz assim, faz assado’. Discuto e vou pela maioria: se a maioria não está contente, eu faço a reunião de novo. Eu tento fazer a empresa andar pelo consenso. Se precisar, em um momento, que eu tenha a decisão, é outra coisa. Isso só aconteceu uma vez. Em quase nove anos que estou como presidente, tudo foi pelo consenso. Eu não faço nada sozinho. Muitas vezes, eu provoquei a equipe para me trazer o melhor modelo, e vamos discutir. Não sou eu que faço todo o trabalho. Peço que a equipe me traga a melhor forma, que estudem, e aí discutimos se há um problema e se é o melhor caminho. Se respeitarem os princípios e valores da empresa, quando vier o projeto dificilmente vou mudar alguma coisa. Eu acho isso um processo motivador, que faz as pessoas crescerem. Esse é o meu estilo. E tenho um apoio importantíssimo do meu irmão, Daniel Randon, que está junto comigo o tempo todo e tem um papel fundamental nestes processos de governança, finanças... E o meu irmão Alexandre também me dá apoio. Não faço nada sozinho.
Muitas empresas são comandadas por um líder carismático, personalidade. Como você vê este modelo?
Tenho de dizer o seguinte: mesmo que a ideia de alguém não seja aceita, não significa que seja a pior ideia, quando se tenta formar uma maioria. E no momento em que houver maioria, os outros têm de dizer também ‘eu aceito’, mesmo que não seja da forma como gostariam. Quando todos estão no mesmo barco, não adianta depois cada um puxar o remo para um lado e para outro. A minha turma da diretoria, há cinco anos, tinha uma média acima de 60 anos, mais alta que a minha idade. Hoje, a média da diretoria é abaixo de 40. Como você vai trabalhar de cima para baixo com essa juventude que vem aí? Não adianta. Me deparei em vários momentos com isso, porque tive na diretoria desde gente de 70 até gente de 32 anos. Era impressionante a diferença de cabeça e de ideias de cada um. O cara mais velho, da minha idade, aceita a ordem. O mais jovem não aceita ordem, aceita desafio. Liderança personalista funciona no momento certo, mas não mantém as pessoas na empresa. Quando funciona, em certos momentos, é bom. Na hora da crise, não pensei duas vezes e falei com meus irmãos: ‘É assim que vamos fazer’. Depois, a turma vem com todas as ideias e vamos discutir. Não posso chegar na reunião e dizer: ‘Fulano, tu faz assim’’. E criar feudos, cada um querendo puxar para o seu lado, até porque tenho inter-relações de empresas, de sócios. Tenho de ter uma negociação em que as pessoas participem e que tenham em comum acordo o melhor caminho.
Como passar senso de propósito para as pessoas e fazê-las pesar que o todo é mais importante?
Tenho pessoas com 40, 30, 20, 15 anos de empresa. Dessas pessoas não preciso falar muito: como time, eles conseguem dar esse recado. Cada caso é um caso. A Randon utiliza o slogan “Randon somos todos nós”, dito pelo nosso presidente-fundador. Eles sabem que eu e meus irmãos não estamos aqui para brincar. É preciso mostrar aquilo que se fala nas ações. Tentamos transmitir isso de uma forma bem simples e transparente, tanto que a minha porta está sempre aberta para qualquer pessoa que venha. Se as pessoas notam que existe isso, dá tranquilidade, mostrando que estamos no caminho certo. Naquela época, até 2016, houve muita entrada e saída de pessoas que tinham muito pouco tempo de empresa. Começamos a fazer um trabalho muito forte de treinamento. Hoje nós não temos ninguém que não tenha o treinamento de uns 10, 15 dias, sobre como trabalhar na empresa e sobre todos os processos. Nós somos obrigados a dar o treinamento até mesmo para as pessoas que já tenham trabalhado em outras empresas similares à nossa.
Como foi a redução no Comitê Executivo, que passou de oito cadeiras para quatro?
A empresa precisou se ajustar. No Comitê Executivo dos oito, havia pessoas que já estavam quase entrando na aposentadoria. Era preciso puxar mais pessoas para pegar a condição do trabalho dos futuros gestores, que já estão tocando a empresa. Muita gente saiu da empresa por tempo de serviço. Houve uma leva muito grande, e era preciso botar mais pessoas para dar continuidade, como numa corrida com passagem de bastão. Nós tivemos que fazer um processo de trazer pessoas de baixo, acompanhar, para fazer essa transição da saída dos mais velhos para os mais jovens. Foi ali que incrementamos um pouco mais o comitê, e na saída dos outros, reduzimos. Realmente, com a crise, nos organizamos um pouquinho diferente.
As empresas Randon tinham 12 mil funcionários antes da crise. Agora são 8 mil. Aquele número de 12 mil será retomado?
A crise mostrou uma coisa importante: com o passar dos anos, com o volume crescendo, vínhamos nos preocupando em atender clientes. Se faltava produto, colocava-se mais gente para produzir mais. Se olharmos o passado e o resultado desse crescimento, vemos que as empresas incharam, mas não ganhamos nada de produtividade. A crise nos alertou: temos de parar e analisar quando se é competitivo ou não. O mercado brasileiro era bom, grande e tranquilo. Se precisasse atender o cliente, aumentava-se um pouco o preço, ele comprava e pagava mais caro. Se comparar a nossa produtividade hoje com a do americano, japonês, europeu, é vergonhoso. Um alemão produz por quatro brasileiros. Um americano, por três a quatro. A China, por dois ou três. Nós ficamos muito para trás, não nos preocupamos – falando do portão pra dentro. Com tudo o que aconteceu, aquelas empresas que se adiantaram nos processos não vão mais voltar a colocar todo aquele pessoal que tínhamos de mão de obra, mesmo com o Brasil crescendo. Se botar mais gente, nada contra, mas tem que ser para produzir mais. O Brasil tem que crescer bastante para voltar ao pleno emprego do passado. Não tenho os números exatos, mas com as 8 mil pessoas de hoje posso produzir quase o mesmo que produzia em 2014 e 2015 com 12 mil. Existe margem para crescer e melhorar. Teve o lado positivo. Se você melhora a produtividade e a automação, você melhora os valores de salários, vai ter pessoas mais técnicas e mais conhecedoras do assunto. É diferente de quando o cara faz um tipo de operação manual. Quem cuida de um robô ou da automação vai ter uma qualificação bem melhor. Além de preparar e aprimorar os funcionários com cursos, também precisamos mais produtividade. Senão, não conseguimos competir nem com os chineses. Vou dar um exemplo: há peças que produzo, mas que também estou importando de outros países, para gerar uma competitividade. Porque é mais barato importar que produzir aqui. Faço de propósito, para estimular que façam o mesmo produto com mais competitividade. Se eu não fizer isso, vai chegar o pessoal da Índia, da China, da Indonésia, botando o produto aqui dentro.
O governo entende o que faz o produto chegar tão barato aqui?
Eu estou falando sem contar a parte tributária. Quando eu produzo e vou exportar, o nosso governo cobra um pênalti para isso. Em vez de incentivar quem exporta, como o chinês e o americano, nosso governo nos penaliza. É um absurdo. A logística também pesa bastante, temos uma perda enorme.
Seu pai, um líder referencial, fundou a Randon. Nessa crise, em algum momento o seu Raul lhe disse alguma coisa, ou você disse algumas coisas para ele?
Várias coisas. Ele dizia, um ano antes: ‘Cuidado, gurizada, que vai ter uma violenta crise!’. E eu dizia pra ele: ‘Primeiro deixa a crise vir, eu vou faturar e vou vender’. Essa era a conversa inicial. Ele já tinha passado pela época da concordata, e sofremos muito. No final de 2013 e início de 2014, ele começou a dizer: ‘Ó, gurizada, cuidado’. Ele lê jornal, vê o noticiário, é um cara de linha de frente, sempre falando com cliente. Uma coisa boa que eu nunca deixei de fazer é o seguinte: quando os clientes estão visitando, sempre colocar ele junto. Porque ele é um marqueteiro, me ajuda mais a vender do que eu mesmo. Eu sou engenheiro mecânico. Trabalhei três anos fora da Randon na área de projetos. Primeiro na Albarus, hoje Dana, meu concorrente, na época de estágio, faculdade. Depois fui para a área de computadores na Digicon. Trabalhei também em concessionária nossa, na filial, por um bom tempo. Minha formação era Engenharia, mas quando eu fui a São Paulo na crise, tive que me dedicar um pouco às áreas administrativa e comercial. Não adianta, aquilo de que você mais gosta, você vai fazer. Meu trabalho em projetos na área de engenharia me ajudou bastante a tratar diretamente com o cliente porque quando eu falava de produto, estava falando do que eu conhecia. Trabalhei muito com todas essas usinas de São Paulo. Visitava todo ano, era uma bagunça, porque quando começamos a fazer os canavieiros nos anos 1980, nós tivemos que aprender. Não foi fácil, é outro tipo de nicho. Eu participei de tudo isso, foi um desafio muito grande, e comecei a gostar da área comercial. Daí pra frente, sempre me dediquei às áreas administrativa e comercial, mas com uma veia industrial. Gosto muito de produto, sempre dou muita ênfase. Até hoje, vou lá dentro das fábricas, gosto de saber dos novos projetos, o que tem de moderno. Eles sempre me convidam, então não sou um alheio: gosto de fábrica, já trabalhei muitos anos em fábrica, e adoro. Mas minha veia é mais comercial, realmente. Gosto mais da área comercial.
Como você vê a conjuntura atual e o cenário de perspectivas para o Brasil?
Está bem melhor que no ano passado. Nós viemos de um patamar muito baixo. Acho que foi a primeira vez que o Brasil entrou numa crise tão profunda. Tivemos que nos adaptar, e muitas empresas não conseguiram sobreviver. Acho que teremos muitas surpresas esse ano, muitas empresas não vão aguentar, porque a crise é lenta. O nosso setor, por exemplo, de bens de capital, transporte, área de máquinas, foi o que entrou primeiro na crise, mas é o primeiro que sai. O pessoal acha que a coisa está boa, mas nós não saímos da crise ainda. Se olharmos em volumes, estamos produzindo um pouco demais de um terço da capacidade que temos de produzir perante nossos concorrentes do setor. Chegamos a produzir 70 mil reboques e, nesse ano que passou, foram 26 mil. O que compensou foi buscar outras coisas: exportação, reposição, peças, componentes. Começamos a aumentar um pouco o portfólio em outras áreas. Mas não saímos da grande crise. O grande ano vai ser o ano que vem, se passarem duas coisas importantes: uma é a Previdência. Temos que baixar o custo da Previdência. Se não baixarmos, vai chegar um momento em que vai voltar a inflação. Não tem outra forma de pagar essa conta. Alguém vai ter que pagar. Se os governantes não fizerem um novo projeto para reduzir essa diferença de R$ 260 bilhões, somando pública e privada, se não reduzir a massa que faz esse déficit no caixa, isso vai trazer um problema daqui a quatro, cinco ou seis anos. É uma bola de neve. O governo vai ter que fazer de tudo, e a única base que ele tem para reduzir isso é a inflação. Não sou economista, mas tenho medo que isso aconteça. A outra coisa necessária é um pouquinho mais de seriedade. Chega um momento em que o governo vai ter que mudar a sua forma de negociar. Primeiro tem que ter uma reforma política. O modelo que nós temos hoje, em que o presidente tem que negociar com os partidos para ter a aprovação no Congresso, é a pior coisa que pode existir nessa relação do parlamento com o presidencialismo. O presidente pode dar uma canetada, mas não serve, porque o Congresso não aprova, aí ele tem que se sujeitar a fazer negociatas para aprovar, ou se aliar a vários partidos...
Não é mais presidencialismo de coalizão, é presidencialismo de cooptação...
Se não houver essa mudança, não é tão complicado quanto a Previdência, mas pode complicar o país. Essas duas coisas são importantes para o Brasil: a parte política, porque precisamos de mais seriedade nos negócios, nas empresas, na hora de contratar um negócio. É todo dia um escândalo. Colocaria um terceiro aspecto, também: tem que parar com essa história do jeitinho brasileiro, e o pessoal tem que entender que nós temos que trabalhar. Falta isso no pessoal. Daqui para frente, temos que trabalhar. Tem que parar com esse oba-oba, daqui a pouco o país não tem dinheiro para isso. O país só cresce com geração de riqueza, não é distribuindo dinheiro ou fazendo assistencialismo. Não existe país no mundo que o socialismo faça crescer. No dia em que faltar dinheiro, acabou o socialismo. Temos que incentivar as empresas, incentivar o crescimento, o liberalismo nas empresas. Controla de outra forma, tem a Receita Federal, porém, tem que ter liberdade empresarial. Se não tiver essa liberdade, juros e tributos razoáveis, o que vai acontecer? As pequenas empresas dependem muito do país, mas as grandes empresas, as multinacionais, só deslocam o dinheiro. Cada vez mais vão surgindo esses grandes grupos e eles vão se definindo pelo país mais produtivo. Vou dar um exemplo: o Paraguai está muito melhor para investir que o próprio Brasil, e estão assediando empresas do Brasil inteiro. O Brasil precisa se preocupar com o seu empreendedor, não só se preocupar em trocar bandejinha, dinheiro e essas coisas.
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