Os trens e os preços baixos
Quando fui à China pela primeira vez, em 1997, fiz uma viagem de trem de 20 horas de duração, entre a cidade de Lingbao, na província de Henan, e Shanghai. Naquela época, os trens eram lentos, os vagões antigos, havia menos de 60 mil quilômetros de ferrovias no país, e os baixos preços dos produtos chineses deviam-se principalmente aos baixos custos da mão de obra. Lembrei-me disso ao ler matéria da agência chinesa de notícias Xinhua informando que a estação de Qinghuayuan (foto), da ferrovia entre Beijing e Zhangjiakou, será fechada a partir de 1 de novembro, devido à construção da nova linha de alta velocidade, entre o distrito de Yanqing, de Beijing, ao condado de Chongli de Zhangjiakou, onde ocorrerão os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022.
Esse trecho novo integra o Plano Nacional de Ferrovias, da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR), órgão máximo de planejamento econômico da China, que pretende dobrar a quantidade de ferrovias de alta velocidade até 2025, passando dos atuais 19 mil quilômetros para 38 mil quilômetros – nada mal, para quem começou a construir essas linhas em 2008...
A meta para 2020 é atingir 30 mil quilômetros com alta velocidade, atendendo mais de 80% das principais cidades em todo o país. Atualmente, a malha chinesa equivale a 60% do total mundial de alta velocidade, e os seus 4.200 trens-bala (a maior frota do mundo) se revezam no transporte diário, várias vezes ao dia, entre quase todas as capitais de províncias e cidades com mais de 500 mil habitantes, a exemplo da viagem entre Beijing e Jinan, capital da província de Shandong, cujos 420 quilômetros são percorridos em 1h27, com trens partindo nos dois sentidos, de meia em meia hora.
O Plano de Ferrovias da CNDR é bastante ambicioso: pretende atingir 175 mil quilômetros até 2025, nada menos que 45% de aumento em relação à malha em 2015, de 121 mil quilômetros de ferrovias operacionais. Para 2020, a meta é completar 150 mil quilômetros, a segunda maior malha ferroviária do mundo – ultrapassando a Rússia, atrás apenas dos Estados Unidos –, cinco vezes a malha ferroviária brasileira, apesar da área da China ser apenas 13% maior do que a do Brasil.
Em 2008, artigo na revista AMANHÃ informava sobre o anúncio de autoridades chinesas, em evento na cidade de Chengdu, capital da província de Sichuan, a respeito do plano da ligação ferroviária entre países da Europa e da Ásia Central com as principais cidades do leste da China. Dia 3 de novembro agora, a Xinhua informou ter começado a funcionar a linha de carga de Chengdu a Roterdã, na Holanda, em viagem de 13 dias, levando peças mecânicas e elétricas. Além dessa linha, que atenderá também a Alemanha, haverá duas outras, para a Turquia e Moscou. E antes dela, várias outras começaram a funcionar, sendo a primeira da cidade de Yiwu, grande centro comercial da China localizado na província de Zhejiang, a Madrid, onde o comboio chegou no terminal de Abroñigal dia 9 de dezembro de 2014. Em 2015 e neste ano, outros comboios, partindo de cidades chinesas, levaram mercadorias “made in China” e voltaram com mercadorias “made in União Europeia”. Dessa forma, a China efetiva, cada vez mais, alternativa por terra, de baixo custo, para o importante mercado europeu, competindo com vantagens com os transportes marítimo e aéreo.
Segundo a CNDR, até 2020 haverá 5 mil trens de carga operando entre a China e a Europa anualmente, com 43 centros de transporte e 43 linhas ferroviárias que serão construídas. Será a concretização, em 12 anos, do Plano “Um Cinturão, Uma Estrada”, a Rota da Seda do Século 21, integrando economicamente a Ásia e a Europa graças a investimentos nos muitos países da região que deverão totalizar US$ 900 bilhões.
Apesar de tudo isso que está ocorrendo na China, no Brasil há quem acredite que a mão de obra barata ainda é o diferencial decisivo para os preços imbatíveis dos produtos e serviços chineses. Ou os subsídios às indústrias e à agricultura – ou ainda o fato de que em setores estratégicos as maiores empresas são estatais, portanto subsidiadas. Enfim, continuam tentando entender a China dos anos 1990 – e não a que está chegando em trens de alta velocidade em 2020.
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