Não conceder o Refis é premiar a complexidade tributária

Com a posse dos novos governadores em todo o Brasil, 2019 começou com uma enxurrada de notícias e discursos revelando o déficit nas contas dos Estados. Dados divulgados em novembro do ano passado pelo Tesouro Nacional revelaram, por exemplo, que a Dí...
Não conceder o Refis é premiar a complexidade tributária

Com a posse dos novos governadores em todo o Brasil, 2019 começou com uma enxurrada de notícias e discursos revelando o déficit nas contas dos Estados. Dados divulgados em novembro do ano passado pelo Tesouro Nacional revelaram, por exemplo, que a Dívida Consolidada Líquida (DCL) do Rio de Janeiro é quase o triplo que a sua Receita Corrente Líquida (RCL). Também o Rio Grande do Sul possui dívidas que superam em mais de duas vezes a sua receita. De acordo com os mesmos dados, São Paulo e Minas Gerais estavam – ao final do ano passado – muito próximos de atingir esse mesmo limite, algo que, se ocorrer, pode fazer com que eles deixem de receber repasses da União.

O endividamento dos Estados é notório e recorrente. Prestes a complementar 19 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) já é fruto de uma preocupação – que se arrasta ao longo dos anos – com o déficit das contas públicas. Mesmo diante das sanções e amarras criadas pela LRF, o endividamento dos Estados continua a existir, sendo que em muitos casos, como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, atingiu índices asfixiantes. Ao longo de todos esses anos, vários governadores e secretários de Fazenda atribuíram parte do problema do déficit orçamentário à sonegação fiscal. Não é mentira. Mas também é verdade que os índices de sonegação estão caindo ao longo dos anos, saindo de 39% em 2004, para 25% em 2009 e chegando a 17% em 2017, graças ao aparato tecnológico aplicado pelas fiscalizações, aliado ao cruzamento de dados e informações. Ou seja, a sonegação já não contribui tanto para o déficit. 

Mesmo diante desses dados, são recorrentes as manifestações de que não serão mais concedidos incentivos fiscais, tampouco programas de parcelamento de débitos tributários, aos contribuintes. Recentemente, o novo secretário de Fazenda do Rio de Janeiro declarou que “Refis é um prêmio ao mau contribuinte”, afirmando expressamente ser contra o programa, bem como à concessão de incentivos fiscais para atração de investimentos. Curiosamente, o Rio de Janeiro foi o primeiro a aderir, em 2017, ao chamado Programa de Recuperação Fiscal dos Estados, sem o qual teria tido problemas ainda mais sérios no pagamento de fornecedores e servidores. 

Diferentemente da opinião do secretário carioca, bem como de tantos outros gestores públicos, não acredito que a solução para a crise financeira estatal passa pela não concessão de incentivos ou, o que seria pior, pela impossibilidade de criação de novos e futuros programas de refinanciamento de dívidas fiscais. Evidentemente, a concessão reiterada de parcelamentos ou mesmo a discricionariedade na concessão de incentivos fiscais privilegia o lobby e premia o mau contribuinte, que insere o parcelamento especial em seu plano de negócios. É preciso, contudo, reconhecer que uma das principais razões – se não a principal – para concessão de parcelamentos é a complexidade da legislação tributária, especialmente a estadual, em que o contribuinte está potencialmente sujeito a 27 legislações diferentes, com regras prevendo hipóteses de suspensão, diferimento e a famigerada substituição tributária, atualmente aplicada também em relação ao diferencial de alíquota. 

Nesse complexo cenário, já apelidado pelo saudoso Alfredo Becker de “carnaval tributário”, é perfeitamente compreensível que qualquer contribuinte esteja sujeito a autuações, em hipóteses as mais diversas, e a multas das mais severas, com juros exorbitantes. Para muitos contribuintes, o Refis é a única forma de solucionar problemas financeiros complicados, decorrentes da complexidade legislativa.  Em um país no qual as empresas gastam 2.600 horas anuais para se adequar à legislação tributária (a média mundial é de 264 horas), querer cessar por completo a concessão de programas de parcelamento de dívidas tributárias é como atribuir ao vendedor de facas a responsabilidade pela tentativa de homicídio ao então candidato Jair Bolsonaro.

Parece-me que a solução, no que se refere ao Refis, seja realmente o meio termo, ou seja, critérios objetivos, que premiem com a eliminação completa de multa e juros aos contribuintes que nunca aderiram a algum programa de refinanciamento e descontos menores, conforme o número de parcelas, aos contribuintes que já aderiram a algum programa de parcelamento. Diante desse cenário, deixar de conceder programas de parcelamento é um prêmio à complexidade tributária, ceifando – muitas vezes de morte – o empresariado, uma das principais fontes de receita dos Estados.

*Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná – IDT-PR e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Sócio do escritório Dalcomuni e Dutra Advogados.

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Sexta, 29 Março 2024

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