Legal, mas não para o contribuinte

Foi publicada no mês passado a Portaria 11.956 que regulamenta a transação na cobrança da dívida ativa da União. Ela faz parte da Medida Provisória do Contribuinte Legal (MP nº 899/2019), cujo principal objetivo é incentivar a busca de soluções negoc...
Legal, mas não para o contribuinte

Foi publicada no mês passado a Portaria 11.956 que regulamenta a transação na cobrança da dívida ativa da União. Ela faz parte da Medida Provisória do Contribuinte Legal (MP nº 899/2019), cujo principal objetivo é incentivar a busca de soluções negociadas entre o Fisco e o contribuinte. Para enquadrar-se nos benefícios do programa é necessário que o débito seja classificado como irrecuperável ou de difícil recuperação pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Através da transação podem ser obtidos uma série de benefícios - como o desconto do valor da dívida, parcelamentos alongados e possibilidade de amortizar ou liquidar a dívida com precatórios federais próprios ou de terceiros. A negociação deverá abranger todo o passivo fiscal, sendo vedada a adesão parcial. A exceção são os débitos inscritos em dívida ativa que estejam garantidos, parcelados ou suspensos por decisão judicial. 

Todos sabemos das disfuncionalidades do sistema brasileiro, como a legislação confusa e a alta carga tributária, além dos custos envolvidos. Porém, a dívida ativa da União é de quase R$ 2,2 trilhões, sendo que a despeito dos enormes valores dispendidos em execuções fiscais, a maior parte é irrecuperável. Por certo, o programa Contribuinte Legal não constitui solução para os problemas do contribuinte, pois somente abrange aqueles débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Além disso, vale apenas para a dívida ativa da União, excluindo a dívida ativa dos Estados e municípios.

Há uma crítica, também verdadeira, de que ao invés de resolver a causa dos problemas, isto é, o disfuncional sistema fiscal, o governo sistematicamente utiliza programas de recuperação, tal como o Refis, que acabam premiando o mau pagador, que aguarda esses programas para regularizar seus passivos em condições mais favoráveis do que aqueles que pagam seus tributos em dia. Tudo isso é verdadeiro, porém essas questões de fundo não serão resolvidas senão através de uma ampla reforma tributária. Enquanto isso não ocorre, não deixa de ser conveniente aos interesses da União utilizar-se de programa que lhe permita recuperar o maior valor possível de créditos de difícil liquidação, ao mesmo tempo que dá ao contribuinte em dificuldade a oportunidade de regularizar sua situação fiscal.

A figura do Contribuinte Legal surge no contexto de outra meritória iniciativa governamental: a Lei da Liberdade Econômica. Percebe-se claramente a influência da norma quando a regulação deste programa refere serem princípios aplicáveis à transação “a presunção de boa-fé do contribuinte, a concorrência leal entre os mesmos, o estímulo a autor regularização e conformidade fiscal, redução da litigiosidade, menor onerosidade dos instrumentos de cobrança, autonomia da vontade das partes na celebração do acordo de transação, publicidade e transparência ativa”.

Pela primeira vez na história do ordenamento legislativo brasileiro tais princípios, tão caros ao direito privado, fazem-se presentes na esfera do direito público. O fato renova as esperanças de que o programa seja apenas um ensaio para algo maior, isto é, uma nova fase de relacionamento entre o Fisco e o contribuinte, calcada na boa-fé, na confiança e na colaboração entre as partes.

*Advogado

   

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Quinta, 25 Abril 2024

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