Gente boa também mata?
Não sobreviveu à primeira semana de 2017 a campanha de prevenção de acidentes de trânsito “Gente boa também mata”, promovida pelo Ministério dos Transportes. Depois da reação negativa de internautas, a Secretaria de Comunicação do Governo Federal (SECOM) achou por bem encerrar a polêmica e tirar as peças de circulação (leia aqui).
A campanha partia de uma premissa correta, a da necessidade de desconstruir o estereótipo do causador de acidentes de trânsito, geralmente caracterizado como o típico alcóolatra irresponsável ou o maluco que faz de ruas e estradas pistas de Fórmula 1. A ideia era comunicar que qualquer pessoa poderia provocar uma tragédia quando na direção de um automóvel, bastando para isso estar sonolenta, distraída, autoconfiante em excesso ou usando o celular – quando não levemente alterada pelos efeitos da bebidinha inocente de sexta-feira à noite, claro.
O problema foi que, na tentativa de dizer que todos estamos sujeitos a cometer deslizes como esses, a campanha acabou, ó ironia!, apelando para um estereótipo também: o de que por trás de pessoas “boazinhas” existem potenciais assassinos. Ao citar exemplos específicos de ações positivas, como alimentar moradores de rua, resgatar animais abandonados, auxiliar idosos e turistas ou tirar notas altas na escola, as peças acabaram por ferir o brio de quem se identifica com algum desses perfis. Era como se o Ministério dos Transportes alertasse: “Cuidado com essa gente que parece do bem!”, quando o recado a passar tinha mais a ver com “Somos todos passíveis de errar”. O nexo entre os comportamentos positivo e negativo não ficou claro em nenhum momento, e a campanha fracassou.
Trata-se daqueles casos em que a ideia inicial era muito boa – sua execução é que foi infeliz. Surpreende que a mesma crítica deste post, bem como aquela que tomou conta das redes sociais ao longo da semana passada, não tenha emergido ao longo do processo de criação ou de aprovação da campanha por parte do cliente. O pulo do gato da publicidade é adular o consumidor, fazendo com que se sinta único, especial e moralmente superior. Quando ela critica algo ou alguém, não costuma ser precisa, específica; fala de atitudes e comportamentos genéricos, com os quais nenhum de nós se identifica – diferente do que ocorreu dessa vez.
Quanto à decisão de tirar a campanha do ar, parece bem razoável. Como gosta de dizer Washington Olivetto, propaganda é entendimento. Não é arte nem vanguarda; o que conta é a capacidade de alguém do outro lado decifrar o que está sendo dito. Como não foi o caso, paciência. Melhor reconhecer o erro e partir para outra, já que acidentes de trânsito merecem, sim, ser objeto da publicidade oficial – e porque sabemos, no fundo, que todo mundo está sujeito a um deslize ao dirigir um automóvel.
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