Transição energética é prioridade após tragédia no Rio Grande Sul
Especialistas da academia, do governo, do terceiro setor e da iniciativa privada discutiram na quarta-feira (22) os desafios e caminhos possíveis para a transição energética no Brasil. O seminário "Brasil 2050: rotas para a descarbonização da economia" foi promovido pelo Núcleo de Energia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE). As políticas atuais e em desenvolvimento para uma economia verde, as oportunidades e necessidades para acelerar esse processo, além do papel chave dos bancos de investimento, foram temas debatidos em quatro painéis temáticos.
A constatação de que o Brasil tem posição privilegiada na transição energética foi unânime em todas as palestras. Assim como foi destacada a urgência em avançar, mirando o cumprimento dos compromissos brasileiros de redução das emissões de carbono (as Contribuições Nacionalmente Determinadas, conhecidas como NDCs). A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, como destacaram alguns dos participantes, é a evidência inegável de que os efeitos das mudanças climáticas deixaram de ser suposições teóricas e exigem ação, com cooperação e planejamento. "Essa tragédia gigantesca abalou de forma decisiva a convicção dos negacionistas do clima. É impossível não olhar mais o que nós temos pela frente e o tamanho do desafio que está posto", disse o presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, que participou do painel de abertura, com o tema "Caminhos para acelerar a transição".
Segundo ele, a agenda da transição começa pela Amazônia, com aumento da fiscalização sobre o desmatamento. "É isso que vai dar liderança e legitimidade do Brasil em qualquer debate sobre o futuro climático do planeta." Mercadante destacou soluções em que o país tem possibilidades promissoras para avançar, como o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Lembrou, porém, que a indústria do petróleo tem um século de história, não vai desaparecer, e pediu ousadia do setor. "O importante é que as empresas de petróleo se assumam como empresas em transição para impulsionar investimentos para a transição energética com projetos mais ousados", declarou.
A questão da terra também foi abordada pelo presidente da Apex Brasil, Jorge Viana, que dividiu a mesa com Mercadante e com Morgan Doyle, representante do BID, com moderação da senior fellow do Cebri Rafaela Guedes. Viana lembrou que o desmatamento voltou a cair no atual governo, com redução de cerca de 24% no ano passado. Ele considerou que há boas perspectivas para a transição na matriz de mobilidade, com potencial para ser exemplo para o mundo. Doyle afirmou que o debate sobre rotas de descarbonização é mundial, e que o Brasil tem condições ímpares de ser um líder global, com iniciativas sustentáveis e resilientes para a transição energética. O BID é um dos colaboradores do programa de transição energética desenvolvido pelo Cebri e outros parceiros, como a Coppe/UFRJ, como contribuição à tomada de decisões em políticas públicas.
O segundo painel discutiu políticas brasileiras para a transição, com representantes dos ministérios da Fazenda, de Minas e Energia e do Meio Ambiente, do BNDES, além da sociedade civil. Ana Toni, conselheira do Cebri e secretária nacional de mudança do clima e do meio ambiente, afirmou que o país, apesar das vantagens, possui vulnerabilidades às mudanças do clima, devido à dependência da matriz energética ao regime de chuvas. Segundo ela, essa "ficha" começa a cair, com eventos como o do Rio Grande do Sul. Para Ana, a maior batalha da transição energética é contra o tempo. "Já passamos do momento de discutir o que está posto. Estamos em um momento de criar mesas de negociação e acelerar esse processo, fazendo com que o Brasil não perca a oportunidade de transformar a nossa vantagem comparativa em vantagem competitiva", afirmou. Ela destacou que, ao sediar a COP30, em 2025, o país precisa de união de esforços para eleger grandes bandeiras de consenso e agenda de ação imediata.
Maria Netto, senior fellow do Cebri e diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), ressaltou que um dos desafios é fazer com que os investimentos gerem oportunidades de emprego, renda e inclusão, desenvolvendo novas cadeias de valor. "É mais que incluir em obras, mas criar capacidades humanas para participar desses investimentos", disse. Nesse sentido, o coordenador do Núcleo de Energia do Cebri, Décio Oddone, ponderou que num país complexo como o Brasil, que convive com a pobreza, será preciso combinar medidas que façam o caminho da transição energética viável e com o menor impacto possível. Para ele, o estudo é a contribuição que uma instituição como o CEBRI pode dar ao debate, envolvendo academia, instituições, governo e indústria. "Esse trabalho junta todos esses agentes para propor medidas que possam ser adotadas no âmbito regulatório, legislativo, bancário, no financiamento e empresarial", explicou. André Lucena, professor do programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, chamou atenção para o fato de o desmatamento e o uso da terra serem as principais fontes de emissões no Brasil. Não há como dissociar a transição energética de restauração florestal, agricultura e agropecuária, disse, além, claro, do setor energético.
No último bloco, dedicado às empresas, Maurício Tolmasquim, diretor executivo de transição energética e sustentabilidade da Petrobras, falou dos desafios para a substituição dos combustíveis fósseis. Ele destacou o desenvolvimento, além dos biocombustíveis, de opções como biocombustíveis sintéticos, como o etanol sintético, feito a partir do hidrogênio verde e do CO2 biogênico, que pode ser usado na navegação. Segundo ele, a Petrobras vai ser um dos líderes desse processo. Outros representantes de empresas com projetos que contribuam para desenvolver alternativas para a descarbonização da matriz participaram do painel, incluindo a Engie, uma das empresas patrocinadoras do programa de transição energética, junto com BP, EDP, Equinor, ExxonMobil, Shell, Siemens Energy e Vibra.
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